Críticas


ELEFANTE BRANCO

De: PABLO TRAPERO
Com: RICARDO DARÍN, JÉRÉMIE RENIER, MARTINA GUSMAN
01.11.2012
Por Luiz Fernando Gallego
PISADA DE ELEFANTE, LÁ COMO CÁ.

Texto publicado durante o Festival do Rio 2012



Nos primeiros minutos de Elefante Branco, o mais recente filme do diretor argentino Pablo Trapero, temos uma série de cenas sem fala: um personagem interpretado por Ricardo Darín faz um exame médico de imagem; um homem se esconde na mata e presencia um massacre à beira-rio cercado de vegetação que sugere a selva amazônica; o personagem de Darín vai resgatar a testemunha daquele massacre em uma longa viagem fluvial. Aos poucos somos informados que são dois padres católicos, amigos de longa data, militantes em grupos sociais desfavorecidos, e que Julian (Darín) está levando Nicolas (o ator belga Jérémie Renier) para trabalhar com ele em uma comunidade miserável nas redondezas de Buenos Aires.



Muitos conflitos (políticos, religiosos, sociais, amorosos...) depois, o filme vai se encerrar com outra sequência de cenas quase sem palavras, deixando em aberto o destino de alguns personagens assim como várias questões levantadas durante seus 110 minutos de duração - e essa problematização sem respostas fáceis parece ser mesmo a intenção do diretor e co-roteirista do filme, roteiro também assinado pelo mesmo time de mais três escritores com que vem trabalhando desde Leonera (2008), passando por Abutres (2010).



Trapero também recorre ao mesmo fotógrafo de alguns filmes anteriores seus, Guillermo Nieto (em excelente contribuição) e assina a edição com mais dois co-editores: com um deles já trabalhou antes, e com outro trava a primeira parceira. Na trilha musical, recorre pela primeira vez a Michael Nyman, famoso no cinema desde os filmes de Peter Greenaway. Para os atores (Darín esteve em Abutres e sua mulher, Martina Gusmán, em Abutres e Leonera), reserva papeis bem diferentes dos anteriores.



Esses dados importam, na medida em que, neste filme, tal como nos dois anteriores, Trapero repete suas preocupações sociais, cada vez em novas abordagens, tanto nos assuntos escolhidos como no modo de desenvolver a narrativa, aqui, visualmente impecável. Os enquadramentos, planos-sequência e movimentos de câmera confirmam um cineasta com pleno domínio da forma: a feiúra da miséria que se vê é contrabalançada pela beleza e elegância formal do filme.



Mas não se pense que haja uma tentativa de emular Cidade de Deus, como algumas pessoas criticaram: a estética de Trapero não tem nada a ver com as raízes de Fernando Meireles na área de propaganda. E dizer que o argentino aderiu a um suposto subgênero, até então mais brasileiro, chamado com certo sarcasmo de favela movie, pode traduzir algum despeito nosso com o ótimo resultado do filme argentino.



O tema pode ser a mesma miséria de parte da população, aqui como lá; e há alusão a desvio de verbas que teriam sido liberadas para um projeto de habitação popular, mas que não chegaram aos salários dos operários, há tempos sem receber. Parece com nosso Brasil? Mais ainda se o título do filme (Elefante Blanco no original) é referido a uma construção faraônica apenas iniciada no final da década de 1930, abandonada até o primeiro governo Perón, retomada, mas novamente abandonada... até hoje. Tal construção seria “o maior hospital da América do Sul”. Ainda que não totalmente coincidente com o destino do nosso Hospital Universitário da UFRJ, temos a mesma grandiosidade pretendida resultando em um “elefante branco” não concluído (lá) e mal concluído apenas parcialmente (aqui). Lá, o prédio decrépito torna-se teto para muitos sem-teto e palco para jovens usuários escravizados às drogas. Claro que o tráfico também domina onde o poder público se faz omisso.



Portanto, tais semelhanças se devem mais ao triste destino comum de nossas desigualdades sociais - lá como aqui - do que a uma mera imitação de filmes nossos por um vizinho portenho. No mais, Trapero não glamuriza a violência e ousa tocar em temas que podem soar como repetitivos para nossas incomodadas consciências burguesas, mas que – lamentavelmente – não perderam a atualidade e importância. O nosso cinema é que pode estar cansado de repisar “problemas sociais” e vem caminhando em uma trilha errática buscando boas bilheterias – atingidas em comédias do tipo “neo-pornochanchadinhas” ou em filmes de conteúdo religioso. E é exatamente o impasse de uma religião, no caso a católica, em sua ação social que o filme também vai problematizar de modo desencantado. Afinal, a “igreja revolucionária” dos anos 1970 foi desconsiderada pelo Vaticano e até mesmo perseguida. O que farão padres com consciência - e convivência próxima - com tão graves questões sociais?



Não há edulcoramento de situações violentas, impasses, e até o voto de castidade dos padres católicos é colocado em questão, o que sempre pode melindrar segmentos moralistas até mesmo de não-católicos. Por que o cinema deveria fugir a um tema “antigo” se a questão permanece em aberto? Ironicamente poderíamos dizer que o filme é sutil “como uma pisada de elefante”, mas quantas vezes o óbvio precisa ser relembrado para não se transformar em (mau) hábito?. Se alguma coisa “pesa” no filme é a realidade social retratada sem meias-tintas, em fotografia admirável, ótimos desemepenhos e uso inventivo da música de Michael Nyman.



Dentre seus méritos, ainda cabe ressaltar a composição de Jérémie Renier, ator de vários filmes dos irmãos Dardenne, mas que também foi visto há pouco em nossos cinemas em um papel antípoda deste no filme My Way, o mito além da música quando encarnou (literalmente) um já falecido cantor pop francês em busca de sucesso, fama e dinheiro, tudo que não está nos planos do trio de personagens centrais de Elefante Branco.

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