Críticas


SHOW NÃO PODE PARAR, O

De: BRETT MORGEN e NANETTE BURSTEIN
Com: ROBERT EVANS, ROBERT EVANS, ROBERT EVANS
15.08.2003
Por Carlos Alberto Mattos
RETRATO DO PRODUTOR QUANDO ESTRELA

"Toda história tem três lados: o meu, o seu e a verdade. E nenhum está mentindo”. Essa epígrafe abre O Show não Pode Parar, documentário narrado em primeira pessoa pelo célebre produtor norte-americano Robert Evans. Baseado na autobiografia de Evans (1994), o filme opta, é claro, pelo lado dele. Mas, tratando-se de quem é, fica difícil distinguir entre o que seja confissão sincera, vaidade, ironia ou pura e simples automistificação.



Como principal executivo da Paramount, Robert Evans fez a alegria dos espectadores dos anos 1970, produzindo títulos como O Bebê de Rosemary, O Poderoso Chefão, Maratona da Morte, Serpico e Love Story. Desempenhou direitinho o papel do produtor extravagante e corajoso, com as devidas repercussões em sua vida pessoal. Envolveu-se com cocaína e foi preso. Casou-se com um monte de mulheres bonitas, a maioria das quais deixou-o poucos meses após a união. Caiu e se recompôs diversas vezes, sempre ocupando manchetes de jornais e noticiário de TV na mesma proporção das estrelas que contratava. Planos? Fazer planos é coisa de pobre, dizia.



Tudo isso é verdade. Mas o filme de Brett Morgen e Nanette Burstein assume tranqüilamente a perspectiva de Evans. Mais que autorizada, esta é uma biografia a seis mãos. Com a voz levemente enfadada de quem passa informações sobejamente conhecidas, ele conta sua alta influência não só em Hollywood, mas também na política. Henry Kissinger, por exemplo, responderia a suas ligações o quanto antes, mesmo no auge da guerra do Vietnã. Até quando admite suas desgraças, isso soa a um auto-elogio. Exala vaidade mesmo na culpa, como ao assumir a responsabilidade por Ali McGraw tê-lo trocado por Steve McQueen durante as filmagens de Os Implacáveis. E passa batido pelas suspeitas de seu envolvimento com um famoso crime de Hollywood, conhecido como The Cotton Club Murder.



É como se falasse de outra pessoa que Evans se refere ao início de sua carreira diante das câmeras. Filho de um dentista, comerciante de lingerie feminina que teria lançado o hábito das calças compridas para mulheres, ele foi descoberto por Norma Shearer na beira da piscina de um hotel de Beverly Hills. Ela o chamou para fazer o papel do marido, o produtor Irving Thalberg, no filme O Homem das Mil Caras (1957). Começava uma breve carreira de ator que Evans faria melhor em esquecer. Mas ele não se acanha de lembrar. Há cenas hilárias em O Show não Pode Parar. Evans era uma canastrão pavoroso, mas tinha estrela. Quando Darryl F. Zanuck escalou-o para viver o toureiro Pedro Romero em E Agora Brilha o Sol (1957), protestaram tanto o escritor Ernest Hemingway como os atores Tyrone Power e Ava Gardner. Aquilo seria desastre certo. Zanuck bancou o rapaz com um bilhete sucinto: “The kid stays in the picture”.



A frase de Zanuck virou o mote da vida de Robert Evans, título de sua autobiografia e título original de O Show não Pode Parar. Evans não só ficou no cinema, como realizou o sonho de ser ele a dizer quem fica e quem sai de uma produção. Virou chefe de estúdio na Paramount e salvou a companhia num momento de crise, tocando projetos que ficavam a meio caminho entre a mera pipoca e o filme de arte. Num lance de arrivismo simbólico, comprou a mítica mansão de Shearer e Thalberg. Correu riscos como mandar Coppola aumentar e italianizar O Poderoso Chefão até o limite de aceitação das grandes platéias. Em 1974, criou sua própria produtora dentro da Paramount e consagrou-se independente-chique a partir do sucesso de Chinatown.



O documentário de Morgen e Burstein é uma produção independente que, ironicamente, levou Evans pela primeira vez ao Festival de Sundance, a meca dos indies, na qualidade de personagem. E que personagem! Sua história, seja por que lado for, é bem melhor do que muitas porcarias ficcionais que ele também produziu (vide Invasão de Privacidade, Jade e mesmo, cá entre nós, The Cotton Club). O extenso material de arquivo é acionado de maneira dinâmica e envolvente, a ponto de sugerir um daqueles irresistíveis falsos documentários à moda de Zelig. Para os cinéfilos, são particularmente atraentes as cenas de bastidores de O Bebê de Rosemary. Para quem não sai antes dos créditos finais, o prêmio é ver Dustin Hoffman fazendo uma impagável imitação de Evans, que chega perto de sintetizar toda a sua complexa personalidade.



Que eu saiba, Robert Evans nunca produziu um documentário. Seu mundo é o da ficção, e isto se faz presente no relato de sua vida. Se virmos O Show não Pode Parar como a história de um entertainer contada por um entertainer, a diversão é garantida.



P.S. A quem interessar possa: depois de concluído este documentário, Robert Evans, 73 anos, já se casou (pela sexta vez) com uma ex-modelo Versace que o abandonou oito meses depois. Seu memorável cineminha particular em Beverly Hills, dotado de um tesouro em memorabilia cinematográfica, prêmios etc, foi totalmente destruído por um incêndio no mês passado. Sua última produção, a comédia romântica Como Perder um Homem em 10 Dias, esteve longe de honrar o passado glorioso do “garoto”.





O SHOW NÃO PODE PARAR (THE KID STAYS IN THE PICTURE)

EUA, 2002

Direção: BRETT MORGEN e NANETTE BURSTEIN

Fotografia: JOHN BAILEY

Montagem: JUN DIAZ

Música: JEFF DANNA

Roteiro: BRETT MORGEN, baseado no livro The Kid Stays in the Picture, de ROBERT EVANS

Duração: 91 minutos

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