O diretor Francisco Garcia enfileira diversas referências no decorrer de seu longa-metragem de estreia, “Cores”, mas uma ganha mais destaque: a evocação do singular “Estranhos no paraíso” (1984), de Jim Jarmusch. Há várias características que aproximam as duas produções: ambas foram realizadas em preto e branco, giram em torno de três personagens (dois homens e uma mulher ligados, em medidas variáveis, a uma idosa), valorizam os espaços fechados (assim como os deslocamentos) e fazem menção a determinadas locações (aeroporto). Acima de tudo, os filmes abordam uma juventude destituída de perspectivas.
Flagrados numa São Paulo de noites quentes, Luca, Luiz e Luara despontam na tela como figuras à margem do sistema. O primeiro é um tatuador que mora com a avó; o segundo trabalha como vendedor numa farmácia e flerta com o perigo ao traficar medicamentos; e a terceira bate ponto numa loja de peixes ornamentais onde é assediada por um cliente. Em meio a um cotidiano um tanto apático, vivem em estado letárgico, insatisfeitos e temerosos diante da possibilidade de passarem o resto de seus dias enquadrados em empregos tradicionais. “Eu tenho mais medo da vida do que da morte”, exclama um deles, em dado instante.
O cineasta (que também acumula as funções de roteirista, juntamente com Gabriel Campos, e montador, em parceria com André Gevaerd – por sua vez, produtor do filme) procura construir atmosfera através de uma trilha (de Wilson Sukorski) que oscila entre a melodia suave e a batida pauleira. Economiza nas falas, em especial nos minutos iniciais, e realça partitura sonora formada por interferências (barulho de chuva, de televisão). Conta com os bons desempenhos dos atores centrais – Acauã Sol, Pedro di Pietro e, principalmente, Simone Iliescu – num elenco repleto de participações luxuosas – como as de Maria Célia Camargo, Tonico Pereira e Guilherme Leme. Se por um lado “Cores” se mostra algo dependente das citações, por outro se projeta como um filme dotado de ambição autoral que pode suscitar curiosidade num espectador disposto a escapar da rotina oferecida no circuito comercial. Cabe apostar.
Texto publicado no jornal O Globo em 31 de maio de 2013