A proposta já merece aplausos: adotar uma música – “Faroeste caboclo”, de Renato Russo, de 159 versos distribuídos em mais de nove minutos – como base de criação e desenvolver a história contida nela – a de João de Santo Cristo, que migra do interior da Bahia para Brasília, onde se envolve com a burguesa Maria Lúcia e o tráfico de drogas, terreno dominado, em boa medida, pelo playboy Jeremias – sem perder de vista a filiação a um gênero (western).
Mas essa primeira empreitada do diretor René Sampaio no campo do longa-metragem não fica só na intenção. Há muitas qualidades estampadas na tela, a começar pelo trabalho dos atores (preparação de Sergio Penna). Os personagens centrais são defendidos com energia visceral por Fabricio Boliveira, Isis Valverde e Felipe Abib. Nos papéis secundários, Antonio Calloni desponta com força, bastante preciso em suas intervenções como o capanga de Jeremias. Vale destacar também a habilidosa condução da tensão, a expressiva fotografia (de Gustavo Hadba) e a música (de Philippe Seabra, com trilha sonora adicional de Lucas Marcier e Fabiano Krieger).
“Faroeste caboclo”, contudo, não é destituído de problemas. A principal restrição reside num desequilíbrio entre o excesso e a ausência de explicações – ou o retardamento delas. O recurso da narração reitera informações mais do que o necessário. Em contrapartida, determinados lances demoram a ser esclarecidos. É o caso de um assassinato cometido por João de Santo Cristo logo no início da projeção. Este feito abrupto anuncia um protagonista de perfil ambíguo, o que acaba não se confirmando no decorrer do filme, uma vez que suas atitudes à margem da lei são – pelo menos, até certo ponto – justificadas. A dualidade se manifesta de maneira mais evidente em Pablo (Cesar Troncoso), primo de João de Santo Cristo, capaz de atos cruéis e solidários.
O caráter do casal central é mais definido, ainda que ambos oscilem entre dois mundos – João, entre a contravenção e a ânsia por uma vida estabilizada, e Maria Lúcia, entre o cotidiano seguro de filha de senador (último papel de Marcos Paulo no cinema) e o elo passional com o seu grande amor. René Sampaio ambienta a história na Brasília da década de 80, sinalizando a escalada das drogas, sem, porém, a ambição de apresentar a radiografia de uma época. Por isto, “Faroeste caboclo” complementa, de forma interessante, “Somos tão jovens”, de Antonio Carlos da Fontoura, que reconstitui com competência didática a jornada de Renato Russo antes de estourar à frente da Legião Urbana. Marcos Bernstein, inclusive, assina o roteiro das duas produções (em parceria com Victor Atherino).
Entretenimento satisfatório, “Faroeste caboclo” acerta tanto nas sequências de impacto entre João de Santo Cristo e Jeremias quanto nas passagens mais discretas, a exemplo da cena de chegada do protagonista numa Brasília iluminada. Repleto de méritos, o filme tem potencial para fazer uma boa carreira no circuito.
Texto publicado no jornal O Globo em 30 de maio de 2013