Críticas


FRANCES HA

De: NOAH BUMBACH
Com: GRETA GERWIG, MICKEY SUMNER, ADAM DRIVER
31.08.2013
Por Marcelo Janot
É uma personagem que parece pronta para ganhar um mundo que se estende além da tela e da ficção

O diretor Noah Baumbach, 43 anos, faz parte de uma geração de cineastas independentes americanos que tem como expoente o supervalorizado Wes Anderson (“Moonrise Kingdom”). Embora tenha colaborado no roteiro de dois filmes de Anderson, seus filmes têm pouco a ver com os do amigo. O tom naturalista substitui o rigor formal, e no lugar da coleção de tipos exóticos, quase caricatos, o que vemos na obra de Baumbach são personagens bem realistas, passando por momentos de transição em suas vidas. Poucos filmes realizados neste século captaram de forma tão delicada e envolvente os efeitos do divórcio em uma família quanto o autobiográfico “A lula e a baleia”, que Baumbach dirigiu em 2005. Em 2010, ele arrancou Ben Stiller de sua armadura caricatural com a comédia amarga “O solteirão” (“Greenberg”), sobre um quarentão sem rumo na vida.

De coadjuvante em “O solteirão”, a atriz Greta Gerwig passou a protagonista e co-roteirista de “Frances Ha”, o mais recente filme de Noah Baumbach. O estado de transitoriedade dos personagens, que caracteriza a obra do diretor, é traduzido aqui em uma estrutura que divide a narrativa entre os diversos endereços para onde Frances se muda ao longo do filme. Aos 27 anos, ela ainda não encontrou seu lugar no mundo, seja física ou espiritualmente. Termina a relação com o namorado ao recusar o convite para morar com ele porque prefere viver com a melhor amiga, que no entanto a deixa na mão. No campo profissional, não consegue realizar o sonho de fazer parte de uma companhia de dança moderna.

Ao escolher filmar em preto e branco, o diretor nos coloca entre a Nova York idílica de “Manhattan”, de Woody Allen, nas cenas externas, e o enclausuramento psicológico dos filmes de Jim Jarmusch nas cenas em apartamento. De quebra, há todo um clima de nouvelle vague, especialmente na maneira como Frances se insere no ambiente urbano novaiorquino, com seu bailado um tanto sem jeito, ao som das músicas compostas por Georges Delerue para os filmes de Truffaut e cia. Em alguns momentos, somos remetidos à personagem Hannah, criada por Lena Dunham para a cultuada série de TV “Girls”. Mas Greta Gerwig evita as armadilhas narcisistas da egotrip de Lena, tornando Frances bem mais plausível. A espontaneidade de sua interpretação é um dos pontos altos de um filme que tampouco cai na armadilha dos clichês sentimentais.

O sobrenome Ha é uma abreviação de Halladay. Assim como o nome inteiro não cabe na caixa de correio, Frances também quase extrapola os limites dos enquadramentos da câmera. Alta e desengonçada para uma bailarina, ela transmite a sensação de não pertencer àquele universo. É uma personagem que parece pronta para ganhar um mundo que se estende além da tela e da ficção. É nessa aproximação com o real que Baumbach, mais uma vez, cativa o espectador.

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