Críticas


FESTIVAL DO RIO 2003: CRUZEIRO DO SUL

De: PABLO REYERO
Com: LETIZIA LESTIDO, LUCIANO SUARDI, HUMERTO TORTONESE
25.09.2003
Por Marcelo Moutinho
MELANCOLIA E ENFADO EM UMA ARGENTINA EM CRISE

À primeira vista, o enredo sugere uma trama aventuresca. Três jovens - Javier (Luciano Suardi), sua namorada Nora (Leticia Lestido) e seu irmão, o travesti Wendy (Humberto Tortonese) -, envolvem-se com traficantes de drogas e, após trapacearem uma perigosa quadrilha e conseguirem muito dinheiro, põem-se na estrada. No entanto, o que está em questão no road movie Cruzeiro do Sul, estréia na ficção do diretor Pablo Reyero, é a letargia que tomou de assalto a alma argentina. Um tema, aliás, bastante caro à nova geração de cineastas portenhos, que tem mostrado vitalidade quando busca focar a atual crise para além dos aspectos meramente econômicos.



Premiado no Festival de Cannes do ano passado, o filme de Reyero vale-se de poucos diálogos e abusa dos planos-seqüência para expor a falta de horizontes dos três personagens, que apostam na anestesia existencial da droga como “solução”, ainda que momentânea, num mundo sem qualquer perspectiva. Durante a fuga, eles trafegarão por territórios muito distantes do glamour da capital portenha, encarando de frente a pobreza, a decadência e a marginalidade. Carência, baixa-estima, incomunicabilidade e violência se unem numa história que conduz o espectador de uma tensão inicial à melancolia que toma conta da narrativa a partir da metade da projeção, tornando-a, é preciso dizer, um tanto enfadonha.



No retrato extremamente realista do país que Reyero pinta da Argentina, os fantasmas do passado parecem sempre prontos a atormentar. Nora insiste durante toda a viagem em encontrar o local onde o pai foi enterrado. Wendy guarda bem vivos o drama da rejeição do pai. Javier certamente também não resolveu seus conflitos familiares. Mas é no momento em que se refere aos tempos da ditadura, provavelmente raiz de muitos dos problemas que vicejam hoje, que o diretor obtém sua melhor metáfora. A estância em que os pais de Javier e Wendy moram, e para onde seguem os três jovens tentando escapar dos traficantes, fica em El Marquesado, balneário construído pelos militares. Na área, suspeita-se, foram enterrados os corpos de muitos dos “desaparecidos” durante os anos 70. E, de fato, sempre que o pai de Javier faz escavações na areia, encontra ossadas. Uma menção sutil à insistência do passado de vir à tona, de quando em quando, como que para mostrar que certos flagelos não foram de todo resolvidos.



#CRUZEIRO DO SUL (La Cruz del Sur)

ARGENTINA/FRANÇA, 2003

Direção: PABLO REYERO

Roteiro: PABLO REYERO

Elenco: LETIZIA LESTIDO, LUCIANO SUARDI, HUMERTO TORTONESE, MARIO PAOLUCCI

Duração: 87 min.

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