Primeira cineasta mulher a fazer um filme de ficção sobre judeus ortodoxos, a israelense Rama Burshtein preenche um vazio na cinematografia mundial ao retratar um universo específico onde o papel da mulher é sempre submisso ao masculino. Em uma comunidade de judeus hassídicos de Tel Aviv, acompanhamos as angústias da jovem Shira (Hadas Yaron, premiada como melhor atriz em Veneza). Aos 18 anos, ela vive a expectativa de conhecer o seu futuro marido, mas a súbita morte da irmã, durante o parto, faz com que ela se sinta pressionada a casar com o cunhado para que o bebê fique perto da família.
Tal sinopse poderia facilmente receber um tratamento de dramalhão folhetinesco, mas a diretora evita as armadilhas com diálogos precisos e criando uma ambiência que ressalta o confinamento físico e sentimental a que é submetida a personagem principal. Shira se manifesta melhor através dos olhares ou até mesmo da música que toca no acordeon do que desabafando.
Além do olhar feminino, o que diferencia “Preenchendo o vazio” de filmes de temática semelhante, como “Kadosh”, de Amos Gitai, é a ausência de um tom de denúncia sobre o que seria um comportamento social inaceitável em pleno século 21. Apesar dos dramas enfrentados, nenhum personagem manifesta explicitamente um desejo de romper com as tradições seculares impostas pela religião – seus dilemas são os de como lidar com elas. A diretora abre as portas desse mundo para o espectador valorizando momentos ritualísticos como o Purim e a importância da figura do rabino como uma entidade suprema a quem são submetidas todas as decisões, mesmo as de foro íntimo.
No fim das contas, ela consegue transmitir o recado de que Shira só difere de outras jovens de sua idade pelo contexto social e religioso em que vive, mas suas angústias sentimentais são parecidas com as de qualquer menina de 18 anos.