Críticas


ELA VAI

De: EMMANUELLE BERCOT
Com: CATHERINE DENEUVE, NEMO SCHIFFMAN, GÉRARD GAROUSTE
20.12.2013
Por João de Oliveira
Uma simples mistura maneirista de gêneros, perdendo-se entre o drama, a comédia romântica, a comédia musical e o road movie

As atrizes idosas costumam reclamar da falta de personagens escritos especialmente para elas. O último filme de Catherine Bercot, que narra as aventuras de uma sexagenária em crise, parece um roteiro escrito sob encomenda para Catherine Deneuve demonstrar todo os seus múltiplos talentos na pele de Bettie, uma viúva e ex-miss Bretanha na juventude que atravessa um momento existencial, afetivo e profissional complicado. Além da mãe, que a trata como uma adolescente irresponsável, o restaurante que ela administra está falindo e seu amante não quer mais saber dela, provocando-lhe um certo estresse, instabilidade emocional e crise identitária. Ao acompanhar Bettie em sua busca por cigarros, o filme transforma-se em um road movie que conduz a personagem (e o espectador) em um passeio pela França profunda, levando-a ao encontro de diferentes tipos de personagens.

Cada personagem (ou grupo de personagens) encontrado por Bettie possui uma característica e um significado precisos. Eles lhe trazem um novo alento e uma nova maneira de perceber e de encarar a vida. Do velho fazendeiro solitário, uma das cenas mais bonitas e sensíveis do filme, ao vigor de um grupo de lésbicas de sua idade (que dançam, flertam, bebem e se divertem), passando pelo flerte com um jovem (provando que sua capacidade de seduzir resiste ao tempo), pela demonstração de solidariedade e de poder de escuta de um vigia ou ainda pelo encontro com as ex-misses regionais francesas de sua época (envelhecidas mas ainda belas, vaidosas e viçosas), tudo parece ter uma rígida conotação simbólica e ter sido pensado para renovar-lhe o gosto pela vida e elevar-lhe o moral. Dessa forma, a busca por cigarros acaba transformando-se em uma espécie de fuga e, ao mesmo tempo, de busca de si que lhe possibilita reconciliar-se com a vida e com o universo ao seu redor.

Mas o principal encontro da escapada de Bettie é aquele com seu neto, com o qual há anos ela não mantinha contato. A partir desse encontro, vital para a mudança de rumo da personagem e do filme, o roteiro, que parecia conduzir Bettie a uma forma de ruptura niilista com tudo que sua vida teria de insignificante, abrindo a possibilidade para um recomeço diferente, distante de seu presente e de seu passado e inteiramente voltado para o futuro, cai no convencionalismo e no mecanicismo. A bem dosada mistura de ficção e de documentário de sua parte inicial, escolha que se revela acertada na medida em que os improvisos dos atores amadores fornecem um contraponto interessante ao aspecto mais construído do personagem de Bettie, é repentinamente sacrificada em favor da ficção. Assim, uma vez mais vemos o amor e a inocência de uma criança aproximar e transformar a vida de adultos rabugentos, e o que parecia ser uma negação do presente transformar-se em um "filme de autoajuda", de mensagens positivas sobre a redescoberta da vida após os 60 anos.

O que poderia ter sido uma análise fria sobre os problemas da solidão na terceira idade, sobre a fugacidade dos relacionamentos nas sociedades contemporâneas ou sobre os complicados relacionamentos entre pais e filhos na França (ou na Europa setentrional de modo geral) acaba virando uma simples mistura maneirista de gêneros, perdendo-se entre o drama, a comédia romântica, a comédia musical (a música é utilizada de forma abundante e invariavelmente não narrativa), sem falar do road movie.

A direção cuidadosa até que se esforça para fugir do academicismo utilizando alguns poucos planos sequências, belos enquadramentos influenciados pela pintura impressionista e algumas câmeras na mão que tentam ajustar-se ao sentimento de liberdade da personagem. Embora essas opções obtenham um certo êxito em alguns momentos, na maioria das vezes elas não acrescentam, do ponto de vista narrativo ou semântico, nada de novo ao filme, dando mesmo a impressão, algumas vezes, de ser apenas um plano tremido na tela.

A narração busca, desde o início, uma identificação com a personagem, filmando-a bem de perto, abusando dos closes. Em alguns desses closes, como se quisesse afirmar a idade e valorizar a ausência de complexos da personagem (ou seria da atriz?), a câmera exibe as rugas, a pequena obesidade e as marcas inexoráveis do tempo no corpo de Catherine Deneuve, que se deixa filmar sem vaidades. A presença luminosa da atriz, no auge de sua forma artística, talvez seja a melhor razão para assistir ao filme.

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