Uma das principais qualidades de Um Certo Carro Azul reside na própria evolução do triste rito de passagem de uma adolescente, Meg, que se depara com a ausência familiar, expressa nas atitudes de pais omissos, proporcionando ao espectador uma viagem ao instante da dor, anterior a qualquer possibilidade de distanciamento bem-humorado, ao “lugar do sofrimento”. Meg só consegue afirmar a própria existência no contato com o seu professor, Auster, que a incentiva a investir na carreira de poetisa e a seguir escrevendo impulsionada por um sentido de autorevelação, pelo “encontro com os próprios centros nervosos”. Conselhos terapêuticos, mas também artísticos, capazes talvez de fazê-la caminhar em sentido inverso ao da irmã menor, que não hesita em dizer: “não me pareço com ninguém; nem comigo mesma”, afirma, atentando para a própria singularidade e para o descompasso entre a imagem de si mesma e a que vê refletida diante do espelho.
Seria ótimo se a cineasta Karen Moncrieff tivesse tomado para si as observações destinadas a sua protagonista, que volta a ser emocionalmente testada na intensificação do relacionamento com o professor, porque Um Certo Carro Azul carece da disponibilidade ao risco que costuma acompanhar os diretores iniciantes. A solução não estaria, de maneira alguma, no investimento numa abordagem mais exibicionista e sim no feitio quase “invisível” de um filme que para brilhar na sua constrangida discrição precisa da impressão de uma assinatura mais autoral. Nos momentos em que consegue se distanciar um pouco de um registro convencional, a diretora voa em altitudes mais interessantes.
# UM CERTO CARRO AZUL (Blue Car)
EUA, 2002
Direção e roteiro: KAREN MONCRIEFF
Elenco: AGNES BRUCKNER, DAVD STRATHAIRN, MARGARET COLIN
Duração: 88 minutos