Críticas


WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS

De: JOHN LEE HANCOCK
Com: EMMA THOMPSON, TOM HANKS
12.03.2014
Por Daniel Schenker
O plano do presente funciona bem, mas o do passado se aproxima da monotonia.

A escritora australiana Pamela Lyndon Travers (Emma Thompson) criou Mary Poppins (e, claro, todo o universo em torno dela) diretamente influenciada por acontecimentos marcantes de sua infância, em especial no que se refere ao vínculo com o pai (Colin Farrell) – que travou conturbada relação com a realidade. Não por acaso, o envolvimento com a transposição de Poppins para o cinema levou Travers a reviver lembranças dolorosas. Este é o quadro traçado em “Saving Mr. Banks” (no original), filme de John Lee Hancock que estreia amanhã.

Nome artístico de Helen Lyndon Goff, P.L. Travers demorou a ceder os direitos de seus livros para Walt Disney (Tom Hanks) capitanear uma adaptação para as telas. Quando foi convencida, em boa parte por problemas financeiros, viajou para Los Angeles para acompanhar de perto a confecção do roteiro e quase enlouqueceu os integrantes da equipe. Não hesitou em fazer diversas exigências, algumas praticamente impossíveis de serem cumpridas. Mas o final foi feliz: “Mary Poppins”, sob a direção de Robert Stevenson e com Julie Andrews e Dick Van Dike no elenco, ganhou o mundo em 1964.

Ao concentrarem as atenções numa P.L. Travers assombrada por traumas, as roteiristas Kelly Marcel e Sue Smith entrelaçam as esferas de passado (ambientado na Austrália, em 1906) e presente (principalmente nos Estados Unidos, em 1961). A estrutura soa repetitiva e não resulta equilibrada. Enquanto o plano do presente funciona bem, conduzido pelo humor amargo de uma Travers rabugenta, ferina e perfeccionista (ótima interpretação de Emma Thompson, injustamente esquecida na corrida ao Oscar), o do passado, norteado pela ligação da protagonista com o pai, surge com tintas carregadas e se aproxima da monotonia.

Entretanto, Marcel e Smith tocam em pontos importantes, como o fato de escritores (e leitores) costumarem se projetar nos personagens. O sentimento de posse pode gerar reações passionais, como as de Travers, confrontada, contudo, por Disney quando ele afirma que, por mais que não seja o autor, também construiu uma visão pessoal acerca de Poppins e companhia. Se Marcel e Smith dão dimensão humana a uma figura como Travers – que, permanentemente decepcionada, evidencia dificuldade em superar a própria história de vida –, a abordagem pouco polêmica de Walt Disney suscitou questionamento. O diretor e as roteiristas, porém, investiram num recorte que privilegia Travers nessa produção esnobada no Oscar (indicada apenas na categoria trilha sonora, perdeu para o celebrado “Gravidade”, de Alfonso Cuarón).



Crítica publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 06/03/2014

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