O GEBO E A SOMBRA, mais recente longa de Manoel de Oliveira, chega finalmente ao Rio. Baseado em três dos quatro atos da peça homônima de Raul Brandão, é um ensaio filosófico minimalista sobre as virtudes limitadas da pobreza honesta e rotineira, e as potencialidades poéticas da transgressão e do crime. Produção francesa, traz Michel Lonsdale como um contador decente e medíocre, Gebo, que aos olhos do filho ladrão parece apenas mesquinho. Claudia Cardinale, Leonor Silveira, Ricardo Trèpa, Jeanne Moreau e Luís Miguel Cintra completam o elenco inesperado. Cada personagem da pequena família vê a realidade somente até algum ponto específico, o que desenha as várias camadas trágicas da história.
A ação (sé é que há alguma ação) se passa na Lisboa do início do século passado, sempre numa sala exígua iluminada por lamparinas, em planos fixos e longos que só reforçam a origem teatral. Os diálogos partem do dia-a-dia e se inclinam para a abstração conceitual, deixando no ar um sabor gorkiano ou dostoievskiano. O tema do duplo se projeta na ideia de sombra, a inevitável contraparte da luz. Uma não existe sem a outra, e só a arte pode consolar a desgraça da vida. Oliveira fez aqui um de seus filmes mais mansos e cruéis – e também um dos formalmente mais radicais.