(Texto publicado originalmente em outubro de 2011. O filme está em cartaz no Ponto Cine de Guadalupe)
Diferentemente de Moscou, seu parente próximo, Mentiras Sinceras não filma a preparação de um espetáculo exclusivamente para o filme. Ao contrário, documenta de fato as leituras, ensaios e apresentações regulares da peça Mente Mentira (A Lie of the Mind, no original), de Sam Shepard, sob a direção de Paulo de Moraes. Mesmo assim, não se trata de um making of, mas sim de um (vá lá o termo) thinking of da montagem. A partir do material filmado e dos depoimentos gravados, Pedro Asbeg nos oferece uma outra “coisa” eminentemente cinematográfica, em que a linguagem fílmica se presta a aprofundar a reflexão dos atores sobre seu trabalho.
A senha é dada logo no início, quando as lembranças de uma das atrizes começam a se fundir com o que seriam as memórias de sua personagem. Desde aí, temos um tecido misto de reflexões pessoais e conjecturas profissionais, ancoradas às vezes em cenas de velhos filmes domésticos e registros documentais que se conjugam tenuemente, poeticamente, com os elementos da peça: laços familiares, ciúme, violência conjugal e uma peça-dentro-da-peça.
O texto de Sam Shepard soa algo pirandelliano, embora eu não o conheça e não possa afiançar. Por sinal, existe esse preço a pagar quando se faz uma apropriação do gênero: o texto original tende a se diluir em benefício das entranhas do processo de criação. Temos que nos conformar com a renúncia a uma compreensão mais clara da peça para melhor penetrarmos no espírito do filme. Mas algo fica lá, irredutível. A iluminação extraordinária de Maneco Quinderé, por exemplo, é belamente aproveitada. E os ecos temáticos ressoam como num jogo de espelhos na interface entre o cinema e o teatro.