Críticas


TRANSCENDENCE – A REVOLUÇÃO

De: WALLY PFISTER
Com: REBECCA HALL, JOHNNY DEPP, PAUL BETTANY.
19.06.2014
Por Gabriel Papaléo
A solenidade com que os realizadores tratam os acontecimentos evidencia a indecisão que acomete o filme.

A ficção-científica é abrangente em temática e discussão. As possibilidades da relação entre presente e futuro é o que torna o gênero intrigante. Seja na Literatura ou no Cinema, clássicos se estabeleceram de formas diferentes, chamando atenção para conceitos impossíveis aplicados em universos alternativos. Grandes realizadores, no entanto, aplicavam suas ideias ao mesmo tempo em que desenvolviam a narrativa com rigor.

Transcendence – A Revolução, a estreia na direção do fotógrafo Wally Pfister, é uma bagunça - e por isso mesmo serve de exemplo para demonstrar como qualidade temática e narrativa devem sempre andar juntas. O filme apresenta conceitos interessantes sobre inteligência artificial e a disposição do ser humano em se comunicar, mas tudo é abordado de forma desastrosa, sem conseguir estabelecer conexões entre a história que quer contar e no que esses conceitos podem afetá-la. Sabe do potencial de suas ideias, mas se nega a transmiti-las de maneira coerente em uma trama que comporte a grandiosidade do tema.

Já estabelecendo mal a estrutura do filme logo na primeira cena, o roteirista Jack Paglen inexplicavelmente começa no futuro para adotar um longo flashback como recurso narrativo – o que eventualmente tira a força dos eventos ali mostrados. A partir dali, Paglen busca maneiras de anunciar as possibilidades científicas que quer abordar, sem se importar caso elas soem óbvias – justamente o que acontece. A convenção no primeiro ato, uma dessas saídas fáceis, apresenta dados sobre a situação atual daquele universo no caráter tecnológico, mas sem aprofundá-los. Além disso, a narração em off é empregada para explicar o que já dava pra ser percebido, o que trunca o ritmo do filme. O didatismo do off, aliás, é bem sutil comparado ao festival de explicações que Transcendence oferece. Qualquer movimento na trama é mastigado, sejam ações (“A bala passou de raspão!”, “Mas são esses investidores que pagam nossas pesquisas!”), sejam sentimentos dos personagens (“Ele não pode amá-la!”).

O desenvolvimento dos personagens se limita à superfície, para estabelecer clichês do gênero (o marido que trabalha demais, o amigo do casal que quer a mulher), e quando mais precisa ser bem embasado acaba sabotado por elipses que tentam ser funcionais para o ritmo da trama. Arcos indispensáveis para o filme, como a fé cega da protagonista e a transição do cientista para a máquina, surgem corridos e cheios de hiatos que impedem qualquer envolvimento emocional com os personagens. Não falta escala, mas faltam escopo e peso dramático.

Sem personas interessantes para habitar aquele universo, os realizadores abrem mão de discussões interessantes em momentos insossos da trama – e abandonam caminhos intrigantes para incorrer em discussões bobas. Um tempo considerável é gasto na subtrama dos terroristas anti-tecnologia que é resolvida da maneira mais previsível possível. A discussão sobre a natureza da inteligência artificial se restringe a uma linha de diálogo e apesar da grandiosidade potencial da máquina, a influência que ela teria nos habitantes do planeta é ignorada em prol de uma corrida-contra-o-tempo boba. Em suma, a trama toma rumos entediantes e se esquece de explicar o essencial: como só após dois anos foi que a protagonista questionou as ações? E por que ela demonstra tanta afeição a Martin?

As interfaces conciliando tecnologia avançada e retrô, junto à direção de arte em tons opacos e à fotografia fria, conferem uma atmosfera sombria meio oitentista que poderia conferir alguma novidade a Transcendence. Os personagens-arquétipos (a Cientista, o Gênio, o Policial, o Mentor) e a trilha carregada nos sintetizadores dão a impressão que o material daria uma ficção-científica barata espetacular nas mãos de David Cronenberg (a intriga científica lembra muito a espionagem industrial de Scanners - Sua Mente Pode Destruir) (1981). O decepcionante é perceber que a solenidade com que Paglen e Pfister tratam os acontecimentos evidencia a imensa indecisão narrativa que acomete o filme.

Indecisão que se alastra para a própria posição do roteiro acerca da inteligência artificial. Muitos dados, positivos e negativos, são apresentados durante o longa, mas nada que pudesse ensaiar uma discussão ética sobre o uso da tecnologia. Os rumos tomados pela historia impedem o espectador de elaborar uma unidade de pensamento. Diferente de tramas panorâmicas que oferecem diversas visões para colocá-las em choque, Transcendence apresenta pontos de vista antagônicos sem sequer ter ideia disso. Boas ideias, como os órgãos artificiais construídos para devolver movimentos a humanos (que remetem de forma positiva ao game Deus Ex) são eclipsadas por uma convoluta trama que não se decide entre o policial, o drama e a ficção – o que na mão de um grande realizador poderia ser ótimo, transitando entre os três gêneros.

Sensibilidade humana em meio ao caos é essencial para filmes que se propõem a mostrar os efeitos do amanhã nas pessoas do hoje. Pfister, fotógrafo competente, confere um visual mediano para o filme mas esquece que um bom diretor se faz além do esteta. O verborrágico texto de Paglen atrapalha bastante, mas a falta de pulso do diretor como narrador e como diretor de atores transborda em tela. Johnny Depp surge apagado, Morgan Freeman sequer se faz notar, Cilian Murphy e Paul Bettany ocupam papeis que não fazem jus às suas grandezas. Resta a Rebecca Hall fornecer alguma dignidade a um projeto que tem os ingredientes certos, mas os combinou de maneira amadora. E é pela entrega da atriz que Transcendence ao menos não termina vexaminoso; apenas equivocado.

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