Críticas


O ENIGMA CHINÊS

De: CÉDRIC KLAPISCH
Com: ROMAIN DURIS, AUDREY TATOU, CÉCILE DE FRANCE
21.06.2014
Por Luiz Fernando Gallego
Assumida comédia ligeira com temas "sérios" utilizados para caricaturas sem mão pesada.

Volta e meia o cinema francês que pretende conquistar um público mais amplo recorre a fórmulas comerciais de filmes norte-americanos e, por vezes, chega a situar a ação em solo americano como em O Enigma Chinês, de Cédric Klapisch. Por outro lado, preserva-se aqui um certo toque francês (como em geral nas novas “comédias românticas” - um rótulo cada vez mais indefinido em que cabem mais abacaxis do que pérolas): algumas características de antigas “comédias de boulevard” (denominação ainda mais vaga) que os menos jovens identificam como peças teatrais que pinicavam a plateia com transgressões avançadinhas da moral e bons costumes de sua época, mas sem chocar demais o conservadorismo da classe média que pagava para se distrair sem maiores preocupações em teatros confortáveis. Pelo nome, “boulevard”, supomos mesmo que tal “gênero” (?) tenha nascido na França, sendo uma derivação das comédias de Georges Feydeau com suas tramas de adultérios que, entretanto, não levavam os matrimônios dos personagens devidamente casados à dissolução, restaurando-se no terceiro ato os pilares burgueses de boa conduta (com muita hipocrisia). Nos palcos, era um tal de portas de cenário abrindo e fechando em sincronia de relógio suíço para permitir que um personagem não encontrasse outro em situação comprometedora.

Mas se o escândalo, porta-estandarte do surrealismo dos anos 1920, já não era possível, segundo o próprio Breton, já nos anos 1960, imaginemos hoje em dia: depois das cenas explícitas de Azul é a cor mais quente, ver Cécile De France em algo discreta nudez na cama com uma moça mais jovem já é quase coisa para a “sessão da tarde” (que, dizem, vai ser extinta como outro sinal dos tempos). E também não falta a este “enigma” (de fácil resolução e bem pouco chinês) uma cena de entra-e-sai de personagens permitindo que nenhuma relação estável (ou mesmo instável) seja abalada. Até um garoto de seus nove ou dez anos colabora com as dissimulações necessárias para preservar saliências de umas e outras em relacionamentos que seriam mais do que heterodoxos nos anos de ouro do antigo teatro comercial francês ou americano, mas que hoje em dia já são comuns, sem escandalizar, ainda mais com tratamento de farsa.

Boa carpintaria é o que se exige nessas propostas que não devem negar suas metas. E não se pode negar que a trama edulcorada deste filme seja bem conduzida. No início parece que a coisa não vai engrenar depois das cenas dos créditos (que serão entendidas só bem mais adiante) com a exposição inicial de como anda a vida de ‘Xavier’, protagonista muito bem incorporado por Romain Duris, ator que pode ir do antipático personagem de De tanto bater meu coração parou (2005, seu maior desempenho dramático) ao sujeito boa-praça e um tanto frágil, como convém aos machos contemporâneos de filmes leves como este Casse-tête chinois (título original). Se Duris quase carrega o filme nas costas com extrema competência tal a centralidade de seu tipo em torno do qual se desenvolvem as tramas e subtramas, o elenco feminino não fica atrás: a já citada Cécile De France surge bem divertida no papel da lésbica que quer ter um filho com a ajuda do amigão Xavier, casado e já com dois: dele com sua esposa inglesa vivida por Kelly Reilly -que se sai bem em personagem menos satisfatória; e Audrey Tatou mostra boa química com Duris. Até em suas poucas cenas Li Jun Li parece se divertir com a farsa de que participa no enredo. No elenco americano Jason Kravits, mais conhecido de séries de TV, está ótimo como advogado menos oneroso que marca bem as diferenças de hábitos entre europeus e ianques.

Fundamental para manter o ritmo em um filme longo para o gênero (117 minutos) é a montagem de Anne-Sophie Bion, indicada anteriormente ao Oscar pela edição de “O Artista” (2011). Aliás, a lista de atores e papéis que se pode ler no IMDb sugere que muita coisa ficou de fora na sala de edição, o que deve ter sido bom para o resultado final.

Não é preciso que o espectador conheça os outros filmes que traziam os mesmos quatro personagens centrais e atores (Albergue Espanhol, 2002 e Bonecas Russas, 2005) para se distrair com essa assumida comédia ligeira que toca em temas "sérios" e/ou ainda ousadinhos nos dias de hoje sem pretender mais do que se utilizar do que ainda possa haver de menos comum no comportamento humano ocidental para criar situações caricaturais (mas sem mão pesada na caricatura). A lamentar o péssimo título brasileiro que podia ser muito bem “O Quebra-cabeça chinês” que diz mais da cabeça de Xavier e suas ex-mulher, atual, ex-namorada e eterna amiga/amigão.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário