Sinopse breve: história de ascensão e queda de um quarteto musical de rock que, ao longo dos anos 1960, emplacou uma série de sucessos de público com melodias chiclete que grudam no ouvido. Não falta praticamente nada no roteiro: origem humilde, golpes de sorte, relacionamentos fugazes, casamentos intempestivos e separações violentas, muita bebida e grana solta, brigas e desacordos profissionais, até o final inexorável (e, até certo ponto, previsível). Você já conhece essa história, claro. Dos Bee-Gees, The Mamas & The Papas e Os Mutantes, até a mais óbvia, dos Beatles, são narrativas que, de certa maneira, contam sempre a mesma fábula de encantamento. Seria o caso perguntar por que, então, assistir a mais uma. Mas acaba que na vida nos descobrimos sempre assistindo às mesmas histórias. E o que nos faz mais competentes, e que nos aperfeiçoa, talvez seja como nos tornamos capazes de assistir cada vez melhor.
“Jersey Boys” coloca no centro da história a trajetória profissional de Frankie Valli, intérprete de voz aguda e inconfundível que deu vida a canções como “Sherry” (1962) e “Big Girls Don’t Cry” (1963). A biografia do aprendiz de barbeiro de voz fina que escapa de uma vida marginal na Nova Jersey mafiosa dos anos 1950 para se legitimar como primeira voz do quarteto The Four Seasons seduziu o diretor Clint Eastwood naquilo que há de mais trivial, que existe desde sempre, mas que frequentemente dá um jeito de nos passar a perna: a esperança de que a bondade, por si só, seja recompensada ao final da trajetória por uma (nada) simples questão de lógica.
Dos quatro membros do grupo (além de Valli, o Four Seasons era composto por Bob Gaudio, Tommy DeVito e Nick Massi), Frankie era o mais correto, o mais esforçado, o mais engajado, o mais comprometido, o mais sensível. Ou seja, entre todos, era aquele que mais merecia que tudo desse certo (ao menos esse é o recorte que o filme apresenta). Diferentemente dos outros – DeVito parece não pensar a música como um fim, mas como um meio para permanecer num eterno carnaval, Gaudio não pensa em nada a não ser números, e Massi... bem para Massi está tudo bem se todos estiverem bem – Frankie Valli, o indivíduo, se tornou indissociável do projeto da banda. Um pensamento que lhe custou, paradigmaticamente, sua própria destruição. Mesquinharia da vida. Mas ela é cheia delas.
Assim, o filme aposta na construção da decadência do sonho da vitória merecida, tão caro ao imaginário norte-americano (ainda hoje, vai saber). O roteiro, adaptação de um musical da Broadway em cartaz desde 2005, é bem construído, e a montagem ritmada no compasso do iêiêiê permite atravessar os mais de 130 minutos de projeção com tranquilidade. A história é narrada, alternadamente, pelos quatro membros do grupo, que a todo momento interrompem a narrativa para conversar diretamente com a câmera (o espectador). Uma estratégia que, de certa maneira, não deixa de ajudar a pensar a relação entre o cinema e o teatro, já que o gesto de interpelação é um recurso de aproximação comum às duas artes.
Eastwood arrisca, com sucesso, uma paleta de cores opaca, em tons de ocre, verde, azul e marrom, que predomina inclusive nos momentos mais bem sucedidos da banda – as pesadas roupas de veludo vinho, vermelhas, verde musgo nos mantêm alertas para o fardo do sucesso. Os sucessos do Four Seasons, que sobreviveram na memória de gerações bem próximas da atual, são distribuídos e utilizados com parcimônia ao longo do filme (diferentemente da escolha de Tom Hanks em "The Wonders", 1996), que acaba por esgotar a canção carro-chefe ao longo da narrativa, cativando o espectador.