Críticas


COISAS BELAS E SUJAS

De: STEPHEN FREARS
Com: CHIWETEL EJIOFOR, AUDREY TAUTOU, SERGI LÓPEZ, SOPHIE OKONEDO, BENEDICT WONG
20.02.2004
Por Carlos Alberto Mattos
VÍSCERAS DE LONDRES

Numa cena de Coisas Belas e Sujas, a imigrante turca Senay (Audrey Tautou) encosta a cabeça no peito do amigo nigeriano Okwe (Chiwetel Ejiofor) como para certificar-se de que a ternura dele emana dali mesmo. É um dos raros momentos em que um órgão das personagens é tomado como metáfora de um sentimento. No mais, vísceras e membros desempenham um papel bem mais literal nessa comédia negra que se equilibra perigosamente entre o escatológico e o romântico. A trama, por sinal, começa com o encontro de um coração humano em lugar deveras inusitado.



O novo filme de Stephen Frears se passa num ambiente já familiar ao diretor de Minha Adorável Lavanderia e Sammy e Rosie: a Londres colorida e pobre dos subúrbios de imigrantes. Um elenco de nomes estrangeiros, expressando-se num inglês de pronúncia arrevesada, defende essas criaturas que se viram como podem para manter-se no Primeiro Mundo, mesmo que tenham que doar quase tudo em troca de um passaporte. Okwe, um médico obrigado a trabalhar como taxista e recepcionista de hotel suspeito, faz o herói que não se deixará corromper – uma figura apta a traficar o coração da platéia.



De alguma maneira, o roteiro de Steven Knight (indicado ao Oscar) corrobora a máxima segundo a qual os imigrantes ilegais não têm direito ao amor, mas quando muito à sobrevivência. Coisas Belas e Sujas trabalha com sobriedade a relação entre Okwe e Senay, deixando que o afeto se intensifique na irrealização e se projete para uma esfera não-física – algo semelhante ao que ocorre em Encontros e Desencontros. Esse improvável casal também se encontra perdido na tradução, ainda que não esteja apenas de passagem.



Frears aproxima-se aqui do cinema de Ken Loach, ao tratar da exploração econômica, sexual e médica dos trabalhadores clandestinos. Mas, diferentemente do autor de Pão e Rosas, seu engajamento não é político, mas principalmente afetivo. Frears lida com essas personagens à margem porque simplesmente gosta delas. E vê ali um manancial de histórias que ainda conservam um certo frescor.



Ao contrário de seus projetos mais hollywoodianos, Frears neste filme adota um tratamento mais documental, uma estética mais “pobre”. Com os elementos oferecidos pelo roteiro, ele teria sido mais feliz se optasse por uma comédia mais rasgada, sem fazer tantas concessões ao bom-mocismo multiculturalmente correto. Ficou a dever também na direção de atores, deixando que o catalão Sergi Lopez resvalasse para a caricatura como o insidioso gerente do hotel e que a francesa Audrey Tautou estacionasse a muitos quilômetros da imagem de uma moça turca. Ainda assim, Frears demonstra eficiência em cortejar o divertimento popular inteligente.





# COISAS BELAS E SUJAS (Dirty Pretty Things)

Inglaterra, 2002

Direção: STEPHEN FREARS

Roteiro: STEVEN KNIGHT

Fotografia: CHRIS MENGES

Montagem: MICK AUDSLEY

Música: NATHAN LARSON

Elenco: CHIWETEL EJIOFOR, AUDREY TAUTOU, SERGI LÓPEZ, SOPHIE OKONEDO, BENEDICT WONG

Duração: 107 minutos

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