Críticas


RIO, EU TE AMO

De: FERNANDO MEIRELLES, JOSÉ PADILHA E OUTROS
Com: FERNANDA MONTENEGRO, HARVEY KEITEL, RODRIGO SANTORO
12.09.2014
Por Marcelo Janot
Sofre do problema típico dos filmes episódicos dirigidos por realizadores diversos: a irregularidade.

Projetos como “Rio, eu te amo” possuem caráter predominantemente comercial e turístico. Artisticamente, tanto ele como seus antecessores “Paris, eu te amo” e “Nova York, eu te amo” sofrem do problema típico dos filmes divididos em pequenos episódios dirigidos por realizadores diversos: a irregularidade. Se por um lado é saudável que cada um empreste seu olhar ao tema e alguns queiram imprimir um estilo próprio, por outro os altos e baixos podem prejudicar o conjunto.

Declarar seu amor a cidades maciçamente visitadas como Paris e Nova York, que são personagens constantes de obras populares no cinema, na tv ou na literatura, é fácil até mesmo para quem nunca chegou a habitá-las. No caso do Rio, é notória a falta de familiaridade de alguns diretores estrangeiros com a cidade. O italiano Paolo Sorrentino, o mexicano Guillermo Arriaga e o americano John Turturro são os responsáveis pelos momentos mais constrangedores do filme. O primeiro naufraga com a história de uma relação manipuladora entre uma perua (Emily Mortimer) e seu marido mais velho (Basil Hoffman); o segundo embarca num dramalhão sem limites, forçando uma barra e tanto pra emprestar realismo à história de um lutador sem braço (Land Vieira) e sua mulher paraplégica (Laura Neiva); já Turturro confirma o que havia ficado claro no seu longa de estreia, “Amante a Domicílio”: sem Woody Allen para emprestar algum talento ao filme, suas deficiências como roteirista ficam ainda mais evidentes. Só o belo cenário de Paquetá (mas que poderia ser qualquer outro lugar no mundo) se salva no enorme e vazio videoclipe em que se transforma a crise conjugal de um casal formado por ele e pela cantora/atriz Vanessa Paradis.

Os outros três diretores estrangeiros se saem melhor, por razões diversas. O australiano Stephan Elliot, inspirado em um evento autobiográfico ocorrido na época em que divulgava o lançamento de “Priscilla, a rainha do deserto” no Brasil, consegue conferir um divertido toque kitsch à relação entre um astro rabugento (Ryan Kwanten) e seu guia brasileiro (Marcelo Serrado). O coreano Im Sang-Soo e a libanesa Nadine Labaki contam com a força do elenco. Tonico Pereira é o ponto alto do filme no papel de um garçom vampiro, enquanto no episódio de Nadine o menino Cauã Antunes é uma grata revelação ao lado da presença magnética de Harvey Keitel.

Os brasileiros conseguem escapar melhor das armadilhas dos clichês visuais dos cartões postais da cidade. Fernando Meirelles extrai uma criativa sinfonia do movimento das pessoas no calçadão de Copacabana. Carlos Saldanha oferece uma obra de requinte visual apurado com o balé de sombras no palco do Theatro Municipal. Vicente Amorim, responsável pelas vinhetas que interligam os episódios, brinca com os tipos cariocas, do taxista falastrão (Michel Melamed) ao playboy galanteador (Marcio Garcia).

De uma forma geral, as histórias são um tanto simplórias e parecem sofrer com o limite de tempo, mas se beneficiam do visual deslumbrante, do ótimo elenco e de uma trilha sonora impecável. A proposta de vender um Rio idealizado fica clara logo a partir do episódio de Andrucha Waddington, em que Fernanda Montenegro é uma mendiga por opção, que recusa os bens materiais para viver na rua. Tudo muito bonito, se no Rio de verdade ela não corresse o risco de ser recolhida compulsoriamente a um abrigo da Prefeitura e confundida com usuária de crack. O contraponto só vem no final, quando José Padilha coloca Wagner Moura desabafando com o Cristo Redentor, na cena que gerou uma ridícula polêmica com a Arquidiocese. O alvo do discurso contundente, sobre polícia assassina e crianças sem escola, é bastante claro, e não tem nada de divino. É o breve momento do filme em que o espectador se dá conta de que o Rio que amamos ainda está longe de um final feliz.

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