Críticas


BOYHOOD – DA INFÂNCIA À JUVENTUDE

De: RICHARD LINKLATER
Com: ELLAR COLTRANE, LORELEI LINKLATER, PATRICIA ARQUETTE, ETHAN HAWKE
30.10.2014
Por Carlos Alberto Mattos
O amálgama de verdade íntima e invenção dramatúrgica dá ao filme um caráter único e uma sedução particular no cinema contemporâneo

A gente sabe que todo filme de ficção é, em certa medida, um documentário sobre o estado de seus atores, uma vez que eles emprestam seu corpo, seu olhar, suas inflexões e muito mais de sua natureza aos personagens que interpretam. Boyhood – Da Infância à Juventude leva essa premissa a um ponto talvez inédito no cinema ficcional. Richard Linklater filmou a história de uma família durante 12 anos reais, acompanhando o crescimento dos atores infantis e as mudanças dos adultos. Uma história de amadurecimento, descobertas e bruscas alterações de modo de vida no Texas do período 2002-2013.

Afora o talento de Linklater na escrita dos diálogos e na direção dos atores, o que encanta no filme é a oportunidade de assistirmos a um simulacro de vida inteiramente contaminado pela vida mesma. Cada fase do roteiro foi escrita na época da filmagem, assim incorporando fatos, modismos, referências e sobretudo a situação física e emocional dos atores, em especial do protagonista Mason Jr. (Ellar Coltrane) e de sua irmã Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). Nenhum filme com representação mais convencional seria capaz de figurar aquela dinâmica de ganhos e perdas de peso, modificações de conduta corporal e de temperamento que tanto surpreendem na vida real. O amálgama de verdade íntima e invenção dramatúrgica dá a Boyhood um caráter único e uma sedução particular no cinema contemporâneo.

Mason e Samantha crescem diante de nossos olhos, como pessoas que visitássemos com certa regularidade e que sempre apresentassem algo de novo na maneira de ser. As relações dos meninos com o pai gente boa (Ethan Hawke), a mãe de vida confusa (Patricia Arquette) e os sucessivos padrastos autoritários não deixam de responder a certos requisitos da dramaturgia hegemônica. Estes, porém, estão aqui despidos de quase todos os artifícios, à exceção do reencontro com o ex-operário no restaurante. A impressão de naturalidade cuidadosamente construída é que nos arrasta para o humor e a angústia daquele menino e daquela família em busca de nada mais que a si mesmos.

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Outros comentários
    3738
  • dina moscovici
    02.11.2014 às 08:46

    não sera que o filme quer fazer uma critica da classe media norte-americana, mostrando o desenvolvimento das personagens condicionado e condenado a modelos pre-estabelecidos. ? Por alguma razão, o filme menciona as teorias de Pavlov sobre o condicionamento .... que seja cinema verdade ~ eh de qualquer maneira ficcional, já que ha um olhar que faz o recorte particular da realidade.
    • 3739
    • Carlos Alberto Mattos
      02.11.2014 às 09:09

      Olá, Dina, não creio que um filme rodado ao longo de 12 anos, sujeitando-se a mil circunstâncias ligadas à vida dos atores, tivesse uma intenção crítica tão determinada. Podemos ler no resultado coisas nesse ou naquele sentido, mas não acredito que o filme tivesse isso como pauta.