Críticas


NOSTALGIA DA LUZ

De: PATRICIO GUZMÁN
15.01.2015
Por Luiz Fernando Gallego
O que “costura” a reflexão deste admirável documentário é a noção de tempo

Em ritmo pausado, o espectador é apresentado a diferentes atividades que se desenvolvem no deserto de Atacama, Chile: há observatórios para astrônomos explorarem estrelas que podem estar sendo vistas milhares de anos depois de sua extinção (ali, tudo é mais visível pela transparência do céu no local); arqueólogos pesquisam múmias de antes da descoberta das Américas, muito preservadas devido à extrema baixa umidade da região; e um grupo de novas “antígonas” tentam encontrar restos mortais de “desaparecidos” durante a sangrenta ditadura de Pinochet que, neste mesmo deserto, manteve um campo de concentração de presos políticos e espalhou o que restava dos corpos torturados e assassinados.

Dos “corpos celestes” aos corpos humanos, o que “costura” a reflexão deste admirável documentário (por incrível que pareça, poético), de Patrício Guzman, é a noção de tempo: o presente só existe como constructo mental interiorizado, dizem seus entrevistados, astrônomos e arqueólogos; o que existe mesmo é o passado: se o das estrelas e o das múmias é muito bem pesquisado, o passado mais recente do Chile está bloqueado, recalcado, denegado.

Mas as mães, viúvas e irmãs dos “desaparecidos” não desistem e estão lá, pateticamente arranhando a terra seca com suas pás, em busca de fragmentos ósseos: é preciso enterrar Polinices para desenterrar o passado forcluído; é preciso manter a memória, pois, como é dito no filme, a memória tem força de gravidade: ela atrai. Quem tem memória consegue viver o fugidio presente; quem não tem memória não consegue viver.

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