Na televisão Tancredo Neves conclama os jovens à tarefa cívica de ajudar seus pais a cuidar do país. Num colégio de Salvador, os adolescentes se dividem entre a defesa de um socialismo libertário com tintas anarquistas e a catarse desrepressora dos baseados, do punkrock e dos shows transformistas. Estamos em 1984, no alvorecer da Nova República, época em que a estudantada ainda cantava Vandré, rodava seus panfletos e fanzines em mimeógrafo e criava rádios piratas para expressar sua inconformidade com a democracia meia-bomba que se instalava no país.
Depois da Chuva, eleito melhor roteiro, ator e trilha sonora no Festival de Brasília de 2013 e melhor filme estrangeiro do Harlem International Film Festival (Nova York), é uma encarnação perspicaz de um momento raramente abordado no cinema brasileiro pela perspectiva do ativismo estudantil. No centro do furacão está o menino Caio (Pedro Maia), personagem bertolucciano até a medula. Ressentindo-se da ausência do pai, morando com uma mãe com quem não tem diálogo, ele deriva entre o tédio, a doçura e uma revolta surda que o leva a ser ameaçado de expulsão da escola. À sua maneira, vai se tornar uma liderança capaz de contestar outro líder mais engajado. Como consequência, vai entender o preço de assumir um papel político formal. Em paralelo, o desencanto com as eleições indiretas para a presidência e a morte de Tancredo.
Sem qualquer esquematismo ou mensagismo, o filme enfoca as diversas tribos que viviam seus desejos de descompressão e as diferentes pulsões em voga. Os diretores Cláudio Marques e Marília Hughes criaram uma narrativa sintética e fragmentada, mas que se organiza principalmente na deambulação de Caio. Os encontros dele com uma protonamorada (Sophia Corral) são particularmente encantadores, com diálogos juvenis muito plausíveis e uma química notável entre os dois ótimos atores.
De alguma maneira, Depois da Chuva dialoga não só com os filmes “jovens” de Bertolucci, Assayas e Ken Loach, como também com a realidade brasileira do ano passado, quando mais uma vez a juventude se questionou sobre o seu papel numa democracia que não atendia a alguns de seus mais fortes anseios. Não se trata de comparar 1984 com a atualidade, claro, mas de identificar um impulso semelhante, que tem a ver tanto com o prazer de viver quanto com o desejo de participação social.
Em matéria de cinema baiano, este filme é uma lufada de modernidade e leveza. O casal de diretores, além de cineastas com diversos curtas premiados, são diretores do festival Panorama Internacional Coisa de Cinema e administram o Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha de Salvador. Junto com eles na equipe de Depois da Chuva estão diversos expoentes do cinema brasileiro contemporâneo, como o diretor de fotografia Ivo Lopes Araújo, o sound designer Edson Secco e, na montagem adicional, Marina Meliande e Michael Wahrman.