Críticas


SAMBA RIACHÃO

De: JORGE ALFREDO
03.12.2004
Por Carlos Alberto Mattos
RECONSTRUINDO RIACHÃO

Sozinho com sua verve, Riachão já daria um filme. Nobreza cravada nos cinco anéis, cinco cordões de prata e toalha cingindo o pescoço, cadência de malandro presidindo cada gesto e cada frase, o velho garoto preto das quebradas de Salvador é um personagem e tanto. Não precisava mais nada além de deixá-lo reinar na frente da câmera, emocionar-se diante do retrato da mãe, espalhar-se como pinto no lixo em meio ao povo que o adora ou a várias gerações de artistas que o cultuam.



Bastava ele, mas o documentário de Jorge Alfredo vai muito além. Ele é habitado por uma feliz coincidência entre personagem, cenário e realizador: nos três pulsa a energia fortificante da música popular. Mas o que de fato redimensiona Samba Riachão é mostrar o sambista como eixo de uma reflexão, tão abrangente quanto saborosa, sobre os caminhos do samba no século 20. Ex-contínuo de banco que encantava os colegas com suas composições, parceiro de Jesus e de mais ninguém, cronista que sempre transformou os fatos da Bahia e da sua própria vida em sambas que grudam como cera no ouvido, Riachão encarna a história das transformações que levaram do samba de terreiro ao axé e ao hip hop brasileiro. Está tudo lá, num filme que é levantamento de patrimônio.



A alguns pode causar estranheza ver Caetano Veloso e Gilberto Gil tratados nas legendas como “sambistas”. Obra de Riachão, é claro. Ele magnetiza boa parte da MPB. Ao seu contato de midas ebúrneo, quase tudo vira samba. Compositores como Dorival Caymmi, Tom Zé e Carlinhos Brown; pesquisadores como Antonio Risério e o professor Cid Teixeira formam em torno de Riachão para contar a evolução do samba no século e situá-lo na ponte Bahia-Rio de Janeiro. Carlinhos Brown, sem dúvida, é que tem a última palavra: “O samba nasceu no mar. Precisava de porto”.



A paisagem da Baía de Todos os Santos ancora todas as pontas do roteiro de Jorge Alfredo. Assim como Riachão vai arrebanhando os acontecimentos e as emoções, tal e qual um ímã, o filme também aproveita cada mote com uma montagem das mais inteligentes. Os temas se cruzam com naturalidade e a exposição não descuida de uma certa cronologia, mesmo sujeitando-se à “maré desordeira” que conduz Riachão (para usar a bela expressão de Antonio Risério). Combinando espontaneidade e rigor nas medidas certas, Samba Riachão reconstrói e contextualiza seu personagem, em vez de simplesmente elogiá-lo. Nem muito menos sucumbir a ele, como ocorre com tantos documentários do gênero perfil.



Foi por essas e outras que o filme empolgou quantos estavam presentes no Festival de Brasília de 2001, onde dividiu o prêmio principal com o também excepcional Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, além do prêmio do público e de melhor montagem. Apesar disso, Samba Riachão correu o risco de cair no esquecimento em tantos balanços da retomada. Levou três anos para conseguir lançamento comercial em São Paulo. Antes disso, só mesmo na Bahia. Finalmente agora, eis a chance miúda de o público carioca apreciá-lo, num lançamento deslocado em sala única da Barra.



# SAMBA RIACHÃO

Brasil, 2001

Direção, roteiro e música original: JORGE ALFREDO

Fotografia: PEDRO SEMANOVSCHI

Montagem: TINA SAPHIRA

Direção de arte: JOSÉ ARARIPE JR.

Produção: MOISÉS AUGUSTO

Duração: 86 minutos

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