Críticas


BRANCO SAI, PRETO FICA

De: ADIRLEY QUEIRÓS
Com: DJ MARKIM, SHOKITO, DILMAR DURÃES
21.03.2015
Por Leonardo Luiz Ferreira
A partir de um incidente real, o cineasta desenvolve sua fabulação cujas ressignificações potencializam o discurso.

O futuro mais aterrorizante não é aquele repleto de efeitos especiais, explosões e pirotecnia, mas sim aquele que está bem próximo da realidade, como a disseminação do vírus ebola, ainda sem cura. Ao estruturar o roteiro de Branco Sai, Preto Fica com base em uma ficção científica (o Blade Runner do cerrado), o cineasta Adirley Queirós constrói um olhar crítico potente sobre o universo que o cerca, a Ceilândia, que tanto retratou em seus trabalhos documentais.

Branco Sai, Preto Fica é sobre uma cidade partida: Brasília agora isolada de suas cidades-satélites por causa do bem-estar social. Para entrar nela é preciso passaporte e obedecer a uma série de regras. O que pode soar absurdo ou um simples truque de cinema de gênero ganha uma força inegável em cena. É impressionante como o filme transmite a sua mensagem crítica, sem nunca soar panfletário ou carregar um ranço de coitadinho e sem oportunidade. A inteligência do roteiro de Queirós está exatamente aí: ele não reclama da falta de oportunidades nem filma as mazelas com depoimentos considerados tocantes. O discurso se potencializa de tal forma até a catarse do desfecho, que ganha contornos extremamente políticos em sua exibição no Festival de Brasília. Mais uma vez reforçando que não há cinema de palanque em Branco Sai, Preto Fica, por isso a obra merece ser vista, revista e debatida.

Assim como nos três longas de Claudio Assis (Amarelo Manga), Adirley Queirós realiza um trabalho de mise-en-scène notável, entre os melhores do cinema contemporâneo nacional. A decupagem de cada sequência é precisa em cada corte, com movimentos elegantes de câmera e quadros compostos com simetria e espacialidade que ora colocam os personagens em estados claustrofóbicos ora sugerem a solidão. Porque Branco Sai, Preto Fica é uma obra que carrega a melancolia de maus tratos de uma polícia racista que interfere radicalmente na vida dos personagens. A partir de um grave e real incidente em um baile black, o cineasta desenvolve a sua fabulação, como reafirma no último crédito do longa, a sua versão para os fatos. As ressignificações só potencializam o discurso, entre eles os depoimentos de coração aberto do DJ Markim, que não lamenta o acidente que o vitimou a viver em uma cadeira de rodas, mas sim os bailes, os amigos e as músicas do passado.

Branco Sai, Preto Fica quebra explicitamente a quarta parede em uma sequência provocativa como o melhor Godard dos anos '60: um personagem atira para o extracampo nomeando cada bala a um destinatário até olhar direto para o espectador. O efeito é de fato explosivo: não há como passar incólume a força de Branco Sai, Preto Fica.

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Outros comentários
    4086
  • ivan
    29.03.2015 às 00:56

    Eu tenho orgulho do cinema brasileiro!