Há um objetivo claro na estrutura narrativa do filme alemão “14 Estações de Maria” (melhor roteiro no Festival de Berlim), que é o de estabelecer um paralelo entre a via-crúcis da adolescente Maria e a de Jesus Cristo. Com isso, o diretor Dietrich Brüggemann, que assina o roteiro com sua irmã Anna Brüggemann, abre algumas possibilidades: no campo estético, ao optar por planos fixos, permite que se estabeleça um paralelo entre cada tomada e pinturas cristãs do período do Renascimento, como por exemplo “A Última Ceia”, de Da Vinci, na primeira cena do filme. Isso é feito de maneira sutil, sem que soe como uma camisa de força que artificializa a narrativa e tira o foco da história a ser contada.
Além disso, estamos lidando com uma personagem que se encontra emocionalmente imobilizada, presa aos dogmas católicos impostos pelo padre da paróquia que frequenta e pela mãe, que acham que, em pleno século 21, a música pop é coisa do demônio. O resultado prático disso é que Maria, por mais que se sinta tentada a ter uma vida normal a partir do desejo que um colega de escola lhe desperta, se autoflagela contaminada pela culpa cristã. O espectador acostumado a ver filmes que lidam com a intolerância do fundamentalismo religioso em comunidades ortodoxas mais fechadas do que a cristã, se assustará com o retrato da mãe, que sintetiza uma ignorância cada vez mais crescente presente em qualquer extrato social e geográfico.
A limitação imposta pelos enquadramentos fixos faz com que salte aos olhos uma cena antológica que serve de síntese do filme: num leito de hospital, após Maria sufocar com uma hóstia (o simbolismo é evidente) , sua mãe e o padre são literalmente empurrados e enxotados pela equipe médica para fora do quarto (e do quadro). É a racionalidade da ciência dando um chega pra lá na religião, mas os agnósticos e anti-fundamentalistas não têm muito tempo para se sentirem vingados, pois o brilhante desfecho é dúbio o suficiente para evitar conclusões definitivas.