Especiais


FESTIVAL DE GRAMADO 2004

25.08.2004
Por Marcelo Janot
FESTIVAL DE GRAMADO 2004

PRIMEIRO DIA



O Festival de Gramado começou com a exibição hors-concours do filme Olga, de Jayme Monjardim. Grande produção onde se enxerga cada centavo dos mais de oito milhões de reais gastos, Olga é realmente um filme superlativo, com tudo de bom e ruim que o termo traz. De bom: o desenho de produção impecável, que recria os campos de concentração nazistas com um requinte inédito no cinema brasileiro; o bom elenco, incluindo cuidado com os personagens secundários e figurantes; a opção pela fotografia monocromática, que confere ao filme uma proposta estética adequada. De ruim, a música grandiloquente, que sublinha de forma excessiva o tom melodramático de cenas já exageradamente melodramáticas; a sonoplastia, com incontáveis e desnecessários sons de portas batendo; o excesso de clichês do roteiro e a superficialidade na contextualização política, além de uma certa esquizofrenia lingüística, já que ora os personagens falam português, ora alemão, tornando o roteiro ainda mais confuso. Não é de se estranhar que, ao receber Jayme Monjardim em seu programa, Ana Maria Braga tenha perguntado a ele se Olga era brasileira: assistindo ao filme, fica difícil perceber que ela era alemã. Apesar de os defeitos suplantarem as qualidades, não restam dúvidas de que Olga será um estrondoso sucesso, especialmente entre o público feminino, dada a força do personagem e a forma como a maternidade é explorada no filme. Diretor de novelas consagrado, Monjardim não nega sua origem televisiva nesta estréia em longas.



O primeiro longa-metragem em competição, O Quinze, de Jurandir de Oliveira, também decepcionou. Baseado em romance de Rachel de Queiroz sobre a saga de uma família miserável às voltas com a seca que assolou o Ceará em 1915, o filme tem parentesco óbvio com o clássico Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, mas sem o vigor autoral. Fica clara a inexperiência de Jurandir, ótimo ator mas ainda virgem como cineasta. O roteiro claudicante, do próprio diretor, oscila entre o neo-realismo que por vezes remete ao novo cinema iraniano e o romance entre uma jovem professora e seu primo (Karina Barum e Juan Alba, ambos sofríveis). Se na parte neo-realista o filme alcança seus bons momentos, o roteiro resolve mal a conexão com a parte romântica.



SEGUNDO DIA



Foi um dia de opostos no Festival de Gramado. A programação noturna abriu com uma obra-prima do cinema cubano, o filme Suite Habana, de Fernando Perez, aplaudido com entusiasmo por longos minutos, e terminou com um longa brasileiro que chega a ser divertido, de tão constrangedor: Araguaya – A Conspiração do Silêncio, de Ronaldo Duque.



Se em seu filme anterior, La Vida Es Silbar, Fernando Perez já se utilizava de metáforas para, através da trajetória de três personagens, oferecer uma visão crítica de sua pátria cubana, em Suite Habana ele vai ainda mais a fundo na proposta. Em tempos de pouca liberdade para manifestações culturais contrárias à política de Fidel Castro, Perez diz muito através do silêncio. Sem recorrer a diálogos ou narração, apenas utilizando música e som ambiente, seu documentário acompanha um dia na vida de dez cidadãos comuns cubanos. De um menino de 10 anos portador de Síndrome de Down a uma anciã quase centenária, o que se vê na tela, através de pequenos gestos de carinho e solidariedade, de olhares perdidos, inocentes ou desesperançosos, é um instantâneo preciso e altamente poético de uma Cuba imobilizada, em que o futuro para seus moradores é um sonho distante e nebuloso, e que mesmo assim, à sua maneira, encontram forças para serem felizes – ou menos tristes.



Ao longo do filme, Perez identifica os personagens apenas pelo nome e idade. Somente no final uma legenda resume a trajetória de cada um deles e diz o que esperam de suas vidas. Nem precisava. A eficácia da montagem, da fotografia e do uso da trilha sonora é suficiente para que se perceba, por exemplo, que o professor de Marxismo aposentado, que passa os dias assistindo manifestações ufanistas pela TV oficial, só quer viver para continuar sonhando. E que a velhinha de olhar triste que vende amendoins na porta da escola para sustentar o marido doente já não tem mais sonhos. Cada fotograma do filme, seja ele um close do feijão na panela ou de um farol à noite, cada ruído de um avião partindo ou de uma onda estourando no Malecón, cada luz projetada através da grade da janela de uma casa, diz muito sobre a Cuba de Fidel e sua gente.



Uma aula de cinema, que contrasta com Araguaya, A Conspiração do Silêncio, de Ronaldo Duque, tentativa canhestra de recriar um episódio marcante do período de ditadura militar: a Guerrilha do Araguaya. Como se assumisse a incapacidade de a parte dramatúrgica levar o espectador a compreender a história, o filme recorre a depoimentos de sobreviventes do massacre, como do ex-guerrilheiro e hoje senador petista José Genoíno, numa estranha mistura de ficção e documentário. Tem momentos de comédia involuntária, como as cenas em que um padre francês dialoga com uma jovem guerrilheira sobre as dificuldades enfrentadas pelo grupo – os atores nunca encontram o tom certo do texto e deixam a impressão de que estão desempenhando um jogo de sedução e que vão pra cama a qualquer momento. As péssimas atuações, somadas ao didatismo e desequilíbrio do roteiro, tornam o filme uma grande caricatura. A dupla de agentes do governo escalada para encontrar os guerrilheiros lembra os policiais Sucker & Fucker, do Casseta e Planeta.



TERCEIRO DIA



Nuvens negras pairaram ontem sobre Gramado. No céu, causando uma chuva torrencial, e na tela, com filmes fraquíssimos. O júri de longas-metragens de ficção deve estar digerindo mal os fondues gramadenses, pois o panorama entre os filmes nacionais exibidos até agora é desanimador. Depois de O Quinze e Araguaya, ontem foi a vez do longa catarinense Procuradas causar desconforto em quem aposta numa retomada não só de público mas também de qualidade do cinema brasileiro. O thriller dirigido por Zeca Pires e José Frazão, calcado na fórmula policial hollywoodiana, nada mais é do que um pastiche mal escrito, mal dirigido e mal atuado, o que acaba conferindo ao filme ares “trash”, provocando risos involuntários.



A história do desaparecimento de duas garotas de programa tem argumento e reviravoltas tão frágeis quanto os thrillers eróticos televisivos que a Band costuma exibir nas madrugadas de sábado. Ambos têm como atrativo um elenco farto de mulheres gostosas, a diferença é que naqueles há cenas de nudez e algum sexo não explícito, enquanto Procuradas cumpre menos do que promete. Rita Guedes, por exemplo, mostra só a panturrilha bem torneada. Larissa Bracher, Claudia Liz, Laila Brizola, nem isso. A única atriz que revela todo seu talento é Paula Burlamaqui, numa cena de nu frontal. Pouco pra quem tem que aturar 87 minutos delas e do canastrão Juan Alba tentando atuar.



O filme latino concorrente foi o português O Fascínio, de José Fonseca e Costa. Só mesmo o bairrismo, pelo fato de o filme ser baseado em obra do escritor gaúcho Tabajara Ruas, justifica sua inclusão entre os concorrentes do Festival. A trama policial rocambolesca, que envolve elementos fantasmagóricos, aliada a uma mise-en-scene quadrada, causou fastio na platéia do Festival.



Como o nível dos curtas-metragens também anda baixíssimo, a exceção do dia acabou sendo o competente documentário Mensageiras da Luz – Parteiras da Amazônia, de Evaldo Mocarzel, centrado nas atividades das mulheres que mantêm a tradição das parteiras no Amapá. Ao contrário do registro careta e televisivo de Sobreviventes – Os Filhos da Guerra de Canudos, concorrente do dia anterior, o filme de Evaldo se utiliza de recursos criativos, em especial a idéia de fazer uma analogia entre o nascimento de uma criança e o nascimento de um filme, além de filmar o parto de seu próprio filho.



QUARTO DIA



Como é bom, depois de tantos filmes ruins, galãs canastrões, atrizes sem talento, assistir a um ator de verdade em cena. Bastaram os primeiros 20 minutos de Filhas do Vento, de Joel Zito Araújo, para Milton Gonçalves dar seu habitual show de interpretação que o coloca, desde já, como favorito absoluto ao Kikito de melhor ator. De quebra, o filme de Joel ainda oferece um duelo de interpretação de outros dois mitos do cinema nacional: Lea Garcia e Ruth de Souza. Por tudo isso, e pela temática do filme – a história familiar de duas irmãs que tomam rumos diferentes na vida e voltam a se reunir no enterro do patriarca -, Filhas do Vento a toda hora busca o diálogo com a emoção, mas de uma forma natural, e não forçada como Olga. A comparação entre os dois filmes é reforçada pelo fato de o autor da trilha sonora, Marcos Vianna, ser o mesmo. Em Filhas do Vento ele acerta o tom e se redime do exagero de Olga. O desafio do diretor Joel Zito Araújo, militante da causa negra e realizador do documentário A Negação do Brasil, era não fazer de seu filme outro panfleto anti-racismo. Tirando dois ou três deslizes, ele consegue, o que coloca desde já o filme como a única ficção brasileira premiável dentre os concorrentes exibidos até agora.



Entre os latinos, Suíte Habana, do cubano Fernando Perez, permanece como favorito absoluto, pois a produção argentina Vereda Tropical se mostrou mais uma bola fora da comissão de seleção do Festival. Difícil acreditar que, entre as dezenas de títulos produzidos na Argentina no último ano, não houvesse um menos pior que esse. O diretor, Javier Torre, havia conquistado láureas em Gramado em 2001 com Um Amor de Borges, e seu novo filme, sobre o exílio do escritor Manuel Puig no Rio de Janeiro,nos anos 80, prometia algo ao menos um pouquinho mais intelectualizado do que a dramatização tosca das desventuras sexuais do escritor. Para piorar, além do roteiro sem conflitos e mal dirigido, o elenco que contracena com o ator Fabio Aste é, à exceção de Silvia Buarque, sofrível e constrangedor.



QUINTO DIA



O nível dos filmes melhorou um pouco no último dia de competições. O longa uruguaio Whisky, dos jovens (30 anos) diretores Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, foi uma ótima surpresa. Melancólico, poético, dramático mas bem humorado, Whisky é um tratado sobre a solidão, a decadência e a falta de comunicação entre gente comum como Jacobo, dono de uma velha fábrica de meias em Montevidéu. Prestes a receber a visita do irmão que mora no Brasil, ele resolve preparar uma farsa para tentar fingir que sua vida deu certo, e para isso escala Marta, uma das funcionárias mais antigas da fábrica, para fingir que é sua mulher. A opção estética dos diretores descarta o caminho fácil da comédia rasgada e se vale de tons cinzentos e longos planos fixos para melhor traduzir, com pitadas de humor negro, a imobilidade e melancolia que envolve os personagens. Em diversos aspectos, remete, sob a perspectiva terceiro-mundista, ao filme Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola. É desde já um dos melhores filmes do ano, e pode atrapalhar o favoritismo de Suíte Habana, que até então reinava absoluto em Gramado.



A competição de longas de ficção brasileiros foi encerrada com Vida de Menina, de Helena Solberg, diretora de Carmen Miranda, Bananas is My Business. A expectativa era grande em torno desta adaptação para a tela da infância de Helena Morley, descendente de ingleses que viveu em Diamantina (MG) durante o período de decadência da era de mineração, no fim do século 19, e que teve grande reconhecimento como escritora só aos 62 anos, quando resolveu publicar seus diários de menina. Embora caprichado tecnicamente, e com ótima atuação de Ludmila Dayer, que compreende a complexidade rebelde do personagem, o filme não consegue justificar toda a celebração em torno do talento literário de Helena. O roteiro tem momentos de fastio (como a longa sequência da agonia e morte da avó) e redundância, que acabam por “esfriar” o filme.



Entre os documentários, O Cárcere e a Rua, de Liliana Sulzbach, se revelou como o mais complexo e instigante dos quatro filmes em competição. Intercala histórias de vida de três presidiárias da Penitenciária Madre Pelletier, de Porto Alegre. Uma delas, Claudia, acaba de ser libertada, e ao mesmo tempo em que tenta se reintegrar à sociedade, lamenta o longo tempo perdido na prisão, que a impediu de acompanhar a transição de seu filho da infância para a vida adulta. Seu depoimento é dramático e comovente, contrastando com o bom humor extraído do depoimento da namoradeira Betania, que se aproveita do regime semi-aberto para fugir da cadeia. Além das duas, o filme mostra o cotidiano de Daniela, recém-chegada na prisão.



OS PREMIADOS:



FILMES DE LONGA METRAGEM EM 35mm, BRASILEIROS:



1)Melhor Filme - VIDA DE MENINA, de HELENA SOLBERG

2)Melhor Diretor - JOEL ZITO ARAÚJO / FILHAS DO VENTO

3)Melhor Ator Coadjuvante - ROCCO PITANGA / FILHAS DO VENTO

4)Melhor Atriz Coadjuvante - THALMA DE FREITAS & TAÍS ARAÚJO / FILHAS DO

VENTO

5)Melhor Ator - MILTON GONÇALVES - FILHAS DO VENTO

6)Melhor Atriz - LÉA GARCIA & RUTH DE SOUZA / FILHAS DO VENTO

7)Melhor Roteiro - ELENA SOAREZ & HELENA SOLBERG / VIDA DE MENINA

8)Melhor Montagem - LUELANE LOIOLA / O QUINZE

9)Melhor Fotografia - PEDRO FARKAS / VIDA DE MENINA

10)Melhor Trilha – WAGNER TISO / VIDA DE MENINA

11)Melhor Direção de Arte – BETO MAINIERI / VIDA DE MENINA

12)Prêmio Especial do Júri – ARAGUAYA – A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO

13)Prêmio da Crítica (Ficção e Documentário) – FILHAS DO VENTO

14)Prêmio do Júri Popular – VIDA DE MENINA





FILMES DE LONGA METRAGEM EM 35mm, LATINOS:



1)Melhor Filme – WHISKY, de JUAN PABLO RABELLO & PABLO STOLL

2)Melhor Diretor – JAVIER TORRE / VEREDA TROPICAL

3)Melhor Ator – FABIO ASTE / VEREDA TROPICAL

4)Melhor Atriz – MIRELLA PASCUAL - WHISKY

5)Prêmio da Crítica – SUITE HABANA

6)Prêmio do Júri Popular - WHISKY

7)Prêmio Especial do Júri – SUITE HABANA





FILME DE LONGA METRAGEM EM 35mm, DOCUMENTÁRIO:



1)Melhor Filme – O CÁRCERE E A RUA, de LILIANA SULZBACH





FILMES DE CURTA METRAGEM EM 35mm, BRASILEIROS:



1) Melhor Filme: MOMENTO TRÁGICO, de CIBELE AMARAL

2) Melhor Diretor: CIBELE AMARAL por MOMENTO TRÁGICO

3) Melhor Ator: PEDRO SANTOS por CINCO NAIPES e ANDRÉ DECCA por MOMENTO TRÁGICO

4) Melhor Atriz: LALA SCHNEIDER por VOVÓ VAI AO SUPERMERCADO

5) Melhor Roteiro: FABIANO DE SOUZA por CINCO NAIPES

6) Melhor Montagem: MILTON DO PRADO por CINCO NAIPES

7) Melhor Fotografia: MARCELO TROTTA por DESEQUILÍBRIO

8) Melhor Música: BERNA CEPPAS por CAPITAL CIRCULANTE

9) Melhor Direção de Arte: MARNEY HEITMAN por A Idade do Homem

10) Prêmio Especial do Júri: A MOÇA QUE DANÇOU DEPOIS DE MORTA e MESSALINA

11) Prêmio da Crítica: HELIORAMA, de IVAN CARDOSO

12) Prêmio do Júri Popular: MOMENTO TRÁGICO

13) Prêmio Aquisição do Canal Brasil: CINCO NAIPES e A MOÇA QUE DANÇOU DEPOIS DE MORTA





FILMES DE CURTA METRAGEM EM 16mm, BRASILEIROS:



1) Melhor Filme: NOITE DE SOL, de MARCELA ARANTES

2) Melhor Diretor: MARCELA ARANTES, por NOITE DE SOL

3) Melhor Ator: LUCIANO CHIROLLI, por ATO II CENA 5

4) Melhor Atriz: GABRIELA ROSAS, por NOITE DE SOL

5) Melhor Roteiro: MARCELA ARANTES E POLIANA MOURA, por NOITE DE SOL





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