Críticas


MÁ EDUCAÇÃO

De: PEDRO ALMODÓVAR
Com: FELE MARTINEZ, GAEL GARCÍA BERNAL, DANIEL GIMENEZ CACHO
12.11.2004
Por Luciano Trigo
REENCONTRO COM O ESPÍRITO REBELDE

De Almodóvar pode-se dizer que amadurece a cada filme, mas também é verdade que nos últimos anos ele vinha fazendo concessões que o tornavam mais palatável ao grande público – daí o enorme sucesso de Fale com Ela – e o distanciavam cada vez mais da radicalidade de seus primeiros trabalhos, pré-Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. Por isso, é provável que Má Educação desaponte muitos fãs do Almodóvar light, já que marca o reencontro do cineasta com o espírito rebelde de A Lei do Desejo, no sentido de mergulhar nos próprios fantasmas sem dar bola para as expectativas do público e da crítica. Almodóvar trabalhou durante dez anos no roteiro de Má Educação, que se converteu numa obsessão. Economizando no humor como tempero do melodrama e nas referências à cultura pop, ele fez uma espécie de autobiografia da alma, ainda que negue ter aproveitado episódios de sua vida na história.



Má Educação é o filme mais adulto e mais intimista do diretor espanhol. Ele toca em questões que vão muito além da crítica à hipocrisia da Igreja na Espanha franquista – que ajudou a moldar a identidade dos dois protagonistas da história, "mal" educados porque, adultos, encontraram um mundo com valores bem diferentes dos que aprenderam no colégio católico, associados ao medo e à culpa. Não se trata aqui de uma crítica barata a padres pervertidos e repressores, mas sim de um questionamento sobre os laços que prendem os homens ao seu passado, sobre o modo como os nossos desejos e os papéis sociais que assumimos são determinados (ou não) por imperativos afetivos e psicológicos ligados a experiências de formação. O próprio Almodóvar nega ter feito um filme anticlerical, e sua atração quase fetichista por elementos da liturgia católica é evidente: imagens de santos e virgens povoam quase todos os seus 15 filmes.



Não é à toa que a palavra "pasión" cresce até ocupar a tela inteira no final de Má Educação. Almodóvar fez um filme sobre a paixão, que independe do contexto de repressão ou liberdade em que se movem os personagens nos diferentes momentos de suas vidas (1964, 1977 e 1980). Com o refinamento plástico e a direção de atores impecável de sempre, com destaque para a convincente e corajosa interpretação de Gael García Bernal, Almodóvar parte desse sentimento para brincar com a relação entre realidade e representação, com a fragilidade das aparências, com o sexo como instrumento de poder, com a ação transformadora do tempo, com a busca da identidade num mundo em transformação e, por fim, com o papel libertador da arte. Questões que são literalmente, Almodóvar bem o sabe, de vida ou morte.



MÁ EDUCAÇÃO (La Mala Educación)

Espanha, 2004

Direção e roteiro: PEDRO ALMODÓVAR

Fotografia: JOSÉ LUIS ALCAINE

Montagem: JOSÉ SALCEDO

Música: ALBERTO IGLESIAS

Direção de arte: ANTXÓN GÓMEZ

Elenco: FELE MARTINEZ, GAEL GARCÍA BERNAL, DANIEL GIMENEZ CACHO E JAVIER CÁMARA

Duração:105 minutos

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