Depois de trabalhar com os moradores de rua de São Paulo em À Margem da Imagem, Evaldo Mocarzel abalou-se para os confins da selva em busca das parteiras da Amazônia. Mulheres que se orgulham de pegar a vida com as mãos, conhecer os segredos das ervas e resistir contra modernidades da medicina que, segundo a voz tradicional, prejudicam a saúde das mães. Numa das melhores cenas de Mensageiras da Luz, uma parteira discute métodos de trabalho com um obstetra citadino.
A questão médica, na verdade, é apenas um eixo em torno do qual o documentarista organiza suas conversas com as mulheres, às vezes dividindo som e imagem com elas de igual para igual e expondo sua ignorância e curiosidade a respeito do assunto. O processo de nascimento é um atalho para temas como família, religião, memória, auto-imagem, identidade, morte e relação com o mundo. O isolamento das personagens numa região remota, mediado quase que somente pela televisão, é um aspecto que interessa ao diretor tanto quanto as práticas da paridela.
Esse interesse nem sempre é colocado de maneira natural, sem incisões na organicidade das conversas. Pedir a uma parteira amazônica que fale, por exemplo, sobre cinema só pode gerar ingenuidade e comicidade, por mais terna que seja a aproximação. O fato é que nem todas as digressões “intelectuais” propostas pelo filme encontram eco e desenvolvimento naquele meio. Algumas soam gratuitas e infrutíferas. O filme cresce sempre que se volta para as questões mais próximas e vitais das personagens, ainda que partam de uma autoreflexão diante do “espelho” do monitor de vídeo.
Para Mocarzel, o documentário é sempre uma forma de auto-exame, em que os planos objetivo e subjetivo tendem em algum momento a se misturar. Se em À Margem da Imagem ele oferecia o “espelho” do cinema aos sem-teto e também a si próprio, em Mensageiras da Luz ele insere o nascimento do seu terceiro filho como uma espécie de depoimento pessoal. Silencioso e brando, o parto por cesariana num asséptico hospital de São Paulo contrasta com outro muito mais tenso, ruidoso e natural, filmado em tempo real numa pobre casa amazônica.
A coincidência entre vida e cinema é enfatizada numa seqüência frontalmente simbólica que tem feito os puristas revirarem o estômago. Numa extravagância de edição reminiscente de Dziga Vertov, o nascimento de Matheus, o filho do cineasta, é relacionado com o surgimento químico-mecânico do próprio filme. Para o bem ou para o mal, cabe louvar a coragem de Mocarzel em romper a sisudez do documentário para levar às últimas conseqüências um desejo de poesia que é parte indissociável do seu amor pelo ofício.
# MENSAGEIRAS DA LUZ - PARTEIRAS DA AMAZÔNIA
Brasil, 2004
Direção e roteiro: EVALDO MOCARZEL
Duração: 72 min.