Um bom potencial polêmico é sufocado por um fazer cinematográfico bastante convencional, em Jornada da Ama . A condução tipicamente correta do diretor Roberto Faenza entra em desajuste com a inquietação existencial e a febre afetiva que movem as duas personagens centrais – o renomado Carl Gustav Jung e sua paciente Sabina Spielrein.
Há um rico universo acima da mera reprodução de fatos reais (e, de fato, Jornada da Alma não só é baseado numa história real como carrega determinados vícios desta “vertente”). Ao mostrar a ultrapassagem da barreira profissional entre Jung e Spielrein, Jornada da Alma toca num ponto bem mais interessante do que eventuais questionamentos éticos: a cura diretamente ligada ao amor. Se tivesse sido realizado com dose mais generosa de ousadia, o filme poderia fomentar discussões em torno da eventual barreira técnica no contato entre profissionais ortodoxos e pacientes, da possível distância entre a aplicação do discurso analítico e a condição de cada um de administrar suas mazelas no mundo, da capacidade (ou não) de se materializar em palavras sensações impalpáveis, de abordar racionalmente o descontrole e de mudar a forma de sentir através da fala.
A invés de potencializar este tipo de reflexão, o cineasta aborda, de maneira comportada, passagens intensas da vida de Sabina Spielrein, como sua impotência diante de tratamentos brutais, a transformação no enfoque com a entrada de Jung, o envolvimento libertário e, ao mesmo tempo, conturbado entre os dois, a dedicação ao trabalho com crianças e as conseqüências trágicas a partir da ascensão nazista. Roberto Faenza investe ainda numa contracena temporal ao inserir outros dois personagens, agora na contemporaneidade, dedicados a resgatar a importância de Sabina Spielrein.
A idéia de fazer com que pessoas “revivam” a jornada de uma outra, caminhando pelos mesmos lugares, cujo desbotamento decorrente da passagem do tempo traz à tona o testemunho de algo experimentado, pode gerar um enriquecedor jogo de espelhamento/simbiose (ainda que seja obviamente impossível se contaminar de sensações semelhantes). Sem chegar a amalgamar ficção e documental, Faenza não consegue dotar as personagens da atualidade de uma construção mais consistente (muitos diálogos soam declamados). Sua abordagem do sofrimento extremado bate na tela com tintas exageradas e destituída de um sentido de mistério. Apesar de todas estas restrições, espectadores atraídos por filmes mais acadêmicos devem aprovar Jornada da Alma .
# JORNADA DA ALMA (Prendimi l´anima)
Itália/França/Inglaterra, 2002
Direção: ROBERTO FAENZA
Roteiro: GIANNI ARDUINI, ALESSANDRO DEFILIPPI, ROBERTO FAENZA, ELDA FERRI, HUGH FLEETWOOD, GIAMPIERO RIGOSI
Fotografia: MAURIZIO CALVESI
Montagem: MASSIMO FIOCCHI
Música: ANDREA GUERRA
Elenco: IAIN GLEN, EMILIA FOX, JANE ALEXANDER
Duração: 90 min.