Críticas


MOSTRA SP 2004: DOM HELDER CÂMARA

De: ERIKA BAUER
23.10.2004
Por Maria Silvia Camargo
O PROFETA DO INCONFORMISMO

Num Festival que traz muitos filmes sobre guerra, terrorismo e violência, o documentário Dom Helder Câmara – O Santo Rebelde , de Érika Bauer, funciona como um oásis refrescante. Em parte porque Dom Helder tinha o dom da alegria e do otimismo, e isto está na tela. Mas também porque o filme dribla todos os possíveis perigos – de ser chato, hermético, carola – e mostra, basicamente, um cidadão do mundo. Um profeta, que anteviu tudo o que acontece hoje no Brasil e no planeta. Por isto este é mais um filme sobre o nosso tempo do que sobre um religioso. E neste sentido é um documento imperdível.



Nascido no Ceára em 1909, filho de uma família pobre, o franzino Helder entrou no seminário por vontade própria, coisa rara então. E saiu dele com uma idéia mais ou menos assim: “me ensinaram que o perigo é o comunismo, mas temos que ter a ousadia de questionar todos os ismos, pois nenhum está diminuindo as injustiças. Nenhum homem pode ser feliz se esta felicidade se basear na infelicidade alheia”. A partir daí, dono de um enorme carisma e grande capacidade de oratória, Dom Helder vai vencendo os obstáculos da pesada estrutura hierárquica da Igreja Católica. Se destaca no Concílio Vaticano II em 1960– chamando a atenção para os pobres, defendendo que a verdadeira vocação do sacerdócio é o da luta contra as injustiças. Como se sabe, a Revolução de 64 acha nisto o pretexto para acusá-lo de comunista. Os jornais ficam proibidos de mencionar seu nome e seus colaboradores mais queridos começam a aparecer mortos.



Ironicamente, desta fase de silêncio é que emergem os registros mais importantes escolhidos pela diretora brasiliense (e professora de cinema) Érika Bauer. Uma escolha na qual ela demorou quatro anos, pois, como tinha a veemência dos apaixonados e grande intimidade com a mídia, até o fim de sua vida, aos 90 anos, Dom Hélder gerou um número enorme de entrevistas. É nos anos 70 que ele viaja o mundo todo, convidado pelas universidades – principalmente as européias – aonde denuncia a tortura no Brasil. Com o polêmico episódio do Prêmio Nobel da Paz (é indicado três vezes e termina perdendo para Henry Kissinger ) sua figura de defensor da não-violência ganha traços heróicos. Um colaborador conta que, no auge da repressão, quando todos falavam em código ao telefone, Dom Hélder comentava as arbritariedades em alto e bom som e ainda acrescentava: “estou lhe dizendo isto porque sei que meu telefone está grampeado.”



Depoimentos de Dom Pedro Casaldáglia, Dom Paulo Evaristo e Leonardo Boff entre outros dão a dimensão de como a Igreja o exilou a partir de então. Obediente, ele aceita sua nomeação como Bispo de Olinda e Recife e começa a agir localmente. Mais outras histórias deliciosas vêm à tona, um pouco antes do final - um show de imagens jornalísticas ao som de Give Me Love, de George Harrison. Uma das histórias é contada por ele mesmo: “um dia um sujeito me procurou no fim de suas esperanças. Eu o mandei a um amigo, dono de uma loja, com um bilhete: este na sua frente é meu irmão de sangue. Por favor lhe arrume um emprego. Em seguida meu amigo me liga: ‘Mas Dom Hélder, como um irmão seu foi cair na mais profunda miséria’? Eu lhe perguntei ; ‘ O emprego dele está garantido?’ Foi quando meu amigo percebeu: ‘ o senhor me enrolou, ele não é seu irmão”. E eu lhe garanti:’ mas como, se somos filhos do mesmo Pai?’”.



# DOM HELDER CÂMARA, O SANTO REBELDE

Brasil, 2004

Direção e Roteiro : ÉRIKA BAUER

Duração : 74 min.

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