O diretor Joshua Marston centra todo o seu filme na personagem
principal, a Maria do título, interpretada por uma brilhante descoberta, Catalina
Sandino (melhor atriz no Festival de Berlim deste ano). Ela agüenta
sobre seus ombros toda a carga de uma fita que narra uma odisséia pessoal,
uma viagem que, além de física, tem muito de iniciática. A esse respeito,
chama atenção a facilidade com que essa decidida e inteligente garota de
17 anos que não suporta os maus-tratos sistemáticos a que é submetida tanto em
seu trabalho (precisamente empacotando rosas, o que não deixa de ser uma
referência ao também colombiano A Vendedora de Rosas, de Victor Gaviria, como em seu âmbito familiar, onde se vê forçada a sustentar a irmã mãe-solteira e desempregada), acaba sendo seviciada pelo tráfico de drogas internacional.
A estrutura dramática do filme é tão simples como eficaz: uma minuciosa
descrição dos passos desta jovem que aceita servir como "mula"
transportando dentro de estômago os papelotes com heroína, no que
não faltarão as advertências do traficante sobre o que acontecerá com a
sua família caso não cumpra sua parte, seguida pela crônica desse calvário
que começa no avião que a leva aos Estados Unidos. Não em vão essas mulheres são, para os traficantes, meros recipientes humanos de uma carga muito mais valiosa.
O grande valor do filme está na contundência da história – um drama real que se repete todos os dias neste primeiro mundo em que tantos aspiram entrar, seja da forma que for. Marston deixa seus atores à vontade para improvisarem, o que, em certas ocasiões rende uma interpretação bastante realista da maior parte do elenco mas, é preciso registrar, nem sempre funciona adequadamente. Ele consegue mostrar uma perspectiva social e quase antropológica de primeira ordem sobre essa realidade colombiana que atrai os mais ambiciosos ou mais desesperados a conseguirem pela via mais perigosa deixar a miséria asfixiante em que se encontram.
O uso da câmera na mão, o formato quase documental da fita, a
mise-en-scène que cerca de forma constante as personagens para conseguir a
cumplicidade do espectador, tudo contribui para contar essa história com a maior verossimilhança possível. E a verdade é que há muitos momentos brilhantes que atingem com sobra este objetivo, por mais que o tom do filme tenha em última estância sido edulcorado, quem sabe, pela necessidade de oferecer um alívio ao espectador entre tanta angústia e dureza. Porém, acima de tudo (inclusive da própria história) se alça o
descomunal trabalho desta debutante colombiana Catalina Sandino, em um
papel que não apenas a obriga a estar permanentemente na tela e a exibir
uma notável variedade de registros de forma solvente, mas que consegue com
seu arrebatador magnetismo e uma enorme força arrastar o espectador em sua
peripécia fazendo com que este se implique até o fundo com ela nesta
viagem.
Maria Cheia de Graça é um trabalho carregado de simbolismos - e não
apenas católicos: veja-se o reencontro de Maria em Manhattan com as rosas
que preparava - que nasce marcado por sua origem: o olhar de um americano
(o diretor Joshua Marston) consciente da realidade que o rodeia e que
descreve de forma poderosa - nesse empenho de oferecer mais luz - um
problema que não por ser conhecido deixa de ser relevante.
As boas intenções da fita contam assim com um veículo fílmico que, pese
algumas discutíveis concessões finais, está no geral à altura da
importância da problemática que denuncia, sem renunciar por isso à
condição de produto cinematográfico de qualidade. O que não deixa de
ser a melhor forma de se esquivar de certos maniqueísmos nesse tipo de
obra de denúncia, tão fácil de descambar para os caminhos do
panfleto.
# MARIA CHEIA DE GRAÇA (Maria Llena Eres de Gracia/Maria Full of Grace)
Colômbia/Estados Unidos, 2004
Direção e roteiro: JOSHUA MARSTON
Elenco: CATALINA SANDINO, VIRGINIA ARIZA, JOHANNA ANDREA MORA, WILSON GUERRERO
Duração: 101 min.