Críticas


RAY

De: TAYLOR HACKFORD
Com: JAMIE FOXX, KERRY WASHINGTON, REGINA KING
22.02.2005
Por João Mattos
MAIS QUE UM SOLO EMPOLGANTE

Sobre Ray, que não é tão bom quanto três dos candidatos ao Oscar (Menina de Ouro, de Clint Eastwood, O Aviador, de Martin Scorsese e Sideways – Entre Umas e Outras, de Alexander Payne), nem tão inferior como o outro (Em Busca da Terra do Nunca, de Marc Forster), pesa a avassaladora atenção que naturalmente recebe a interpretação de Jamie Foxx no papel-título. Sobre esta também há ênfase excessiva no aspecto unânime dela (até para os não-apreciadores da mesma no todo), o tecnicista, a maneira perfeita como Foxx mimetiza fala e expressão corporal de Ray Charles. O que há de mais interessante nesta atuação é como a perfomance de Foxx se desenrola para além do tecnicismo sem ter um recurso disponível a muitos intérpretes que fazem cegos. O clichê os olhos são o espelho da alma, é piegas e cafona, mas quem já conversou com pessoas cegas sabe que tem ele algo de verdadeiro; quem não enxerga pode passar sentimentos pela força de expressão dos olhos. Foxx, (ao contrário por exemplo, de Audrey Hepburn em Um Clarão nas Trevas, e Al Pacino em Perfume de Mulher, para citar só dois exemplos), não pode usar isso, pois a cegueira de Ray Charles era tão grave que em determinado momento de sua vida adulta, ele teve que extirpar os dois globos oculares.



Que o ator consiga mostrar pujança emocional, superando o limite da mera reprodução mecânica, tendo o rosto coberto a maior parte do tempo por óculos escuros ou algumas vezes sem eles, é notável e o faz merecedor do Oscar de ator que ele deve levar – ainda que Clint Eastwood, sublime em Menina de Ouro, mereça muito mais -, sem esquecer que ele é secundado por ótimo grupo de coadjuvantes femininas fazendo as mulheres da vida de Charles. Essa dimensão da presença do ator principal pode levar a crer que o filme em gira apenas e tão somente em torno dele, o que é injusto. Verdade, Ray sofre com alguns dos subtextos sobre superação humana de limites e impedimentos, e sofre menos por tratar destes temas, do que pela maneira como os encara.



Mas o filme se sai bem em outros aspectos. Uma cinebiografia de artista, via de regra quase sagrada, sempre é feita por ser a obra deste, admirada pelas pessoas, ao contrário das cinebiografias de políticos, cientistas, etc, que necessariamente não são retratados por serem o seu legado ou suas vidas, objeto de admiração. Ray funciona como cinebiografia por contemplar a arte de Ray Charles com gosto, sem esconder os defeitos ou lados menos felizes da personalidade do artista, e melhor, conseguir dentro do espectro cronológico escolhido (começo da carreira do músico até ele estabelecer sua reputação, havendo grande elipse temporal que pula as últimas décadas de atividade dele), explicar o porquê da arte dessa pessoa ser relevante, e explica em termos de dramaturgia e estética.



Aí entra Taylor Hackford, diretor do filme, um dos produtores, alguém que lutou anos para que o projeto fosse realizado. O cineasta já assinou considerável números de filmes ruins e fracos, acertou às vezes. Seus filmes mais elogiados, ambos de 87, têm a ver com música, tendo sido ele produtor de La Bamba (cinebiografia do criador da canção mega sucesso), e diretor de documentário sobre um dos criadores do rock, Chuck Berry – O Mito do Rock. Evidente que o carinho que Hackford (vencedor de um Oscar como melhor curta-metragista de 78) tem com o tema, e com a música no geral, não o faria por si só realizar um bom trabalho, e sim o efeito prático disso na tela.



Com a parceria do diretor de fotografia, o polonês Pawel Edelman (de O Pianista), esquecido nas indicações ao Oscar que a obra recebeu, e do montador Paul Hirsch (colaborador habitual de Brian De Palma), bom concorrente para a Thelma Schoonmaker de OAviador na premiação da categoria, o diretor consegue, nos melhores momentos do filme, construir direção de resultado bem interessante. A fusão singular de gêneros e influências (do gospel, rhytmim’blues, etc), que fez de Ray Charles um dos criadores da soul music (para muitos o grande responsável), apresentou ao mundo uma música melíflua, empolgante, sensual, mas também com um travo de amargura. Em tons de bege e uma iluminação que passa certa melancolia, junto à edição que numa contraposição, não procura deixar muitos tempos mortos, temos uma bela tradução plástica da música de Ray Charles. Corpos vibrando ao som de canções deliciosas, filmados com esmero e cuidado, respondendo às propostas desta música.



Tudo isto faz com que Ray seja um filme de qualidade e merecedor de discussões. Há quase meia-hora de cenas não usadas pr Hackford na montagem final do filme, na versão que acaba de ser lançada em DVD nos EUA e que já chegou em algumas locadoras brasileiras. Material que merece atenção.



# RAY

EUA, 2004

Direção: TAYLOR HACKFORD

Roteiro: JAMES L. WHITE

Produção: TAYLOR HACKFORD, KAREN ELISE BALDWIN, HOWARD BALDWIN, STUART BENJAMIN

Fotografia: PAWEL EDELMAN

Montagem: PAUL HIRSCH

Música: CRIAG ARMOSTRONG, RAY CHARLES

Elenco: JAMIE FOXX, KERRY WASHINGTON, REGINA KING, SHARON WARREN, CLIFTON POWELL, CURTIS ARMSTRONG, LARENZ TATE, BOKEEM WOODBINE

Duração: 152 min

site: http://www.raymovie.com/index.php

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