Críticas


ADORÁVEL JULIA

De: ISTVÁN SZABÓ
Com: ANNETTE BENING, SHAUN EVANS, JEREMY IRONS, LUCY PUNCH
14.04.2005
Por Ricardo Pereira
SER OU NÃO SER

Julia Lambert (Annette Bening) é uma atriz de teatro em final de carreira na Londres dos anos trinta, com um ego fútil, vaidoso e manipulador, constantemente alimentado pelos seus admiradores. A sua insatisfação pessoal e profissional é interrompida pelo aparecimento do jovem Tom (Shaun Evans) com quem inicia um romance turbulento enquanto Michael (Jeremy Irons) é, simultaneamente, o seu liberal marido e o seu conservador agente. Mas a vida de Julia encontra-se num ponto de viragem, onde vai ter de marcar uma posição ou para sempre ceder à nova geração (representada por Avice) o seu há muito conquistado estrelato.



Este filme levanta a interessante questão da representação como umaentrega total à arte, no ambicionado perfeccionismo para retratar sentimentos e emoções, e na dependência desse "fingimento" para viver a própria realidade. Julia é uma atriz tão perfeita que sabe suas deixas de cor, repetindo de forma textual as mesmas frases em diversas situações a diferentes pessoas. Sabe que, para cada uma delas, ela tem um papel específico e faz questão de o representar.



A ausência de sentimentos "reais" na sua vida, tornam-na incapaz de viver os acontecimentos que se precipitam, a não ser através daquilo que aprendeu, ou seja, a representação. Por isso, em milésimos de segundos é extravagantemente eufórica e tragicamente fatalista, indo da gargalhada à lágrima com uma desconcertante facilidade.



Em todos estes aspectos que relata o filme está presente Annette Bening. Julia é ela. Porém afortunadamente ela não é Julia, já que, apesar de interpretar uma atriz, Bening não desprendeu características de sua própria personalidade na personagem, senão que criou uma nova (um erro que outros atores não sabem separar quando encarnam a outro intérprete). Os olhos de Bening podem ser comovedores e afilados a uma só vez; sua voz, lastimosa porém firme. Seu brilho eclipsa a quase todo o elenco, incluindo Jeremy Irons. E junto a ela apenas se pode destacar Michael Gambon que no papel de seu antigo professor, Jimmie Langton, logo na primeira cena lhe dá alguns conselhos para que se torne uma grande atriz que aliás Julia segue à risca. Dentre outras coisas lhe diz: "a única realidade é o teatro, o mundo exterior é uma ficção".



Sommerset Maugham (autor do romance - Teatro - no qual o roteiro de Ronald Harwood se inspira) estava de acordo com o aforismo de lord Henry Wotton em O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde: "O único encanto do casamento é a necessidade absoluta de uma vida de engano recíproco". O acordo mútuo entre Julia e Michael de levar vidas separadas reflete o de Maugham com sua mulher. "Somos um casamento moderno", diz Michael. Daí que se pergunte: "É Avice tão má?" Ou dizendo melhor: "É Avice em suas relações sentimentais tão diferente de Julia?". Ambas, afinal, se dedicam a enganar seus parceiros com o da outra. São diferentes na idade, isto sim. Porém a idade é uma circunstância biológica irreversível. Quanto a rivalidade artística entre ambas atrizes, Avice reconhece o talento superior de Julia; ademais, tal como nos apresentam, Avice não constitui nenhuma ameaça; é impossível que desbanque Julia. No final, não posso evitar de pensar que Avice é uma personagem desaproveitada por alguns (Maugham e Harwood) e maltratada por outros (Szabó e Julia).



Entretanto, por conta deste pequeno confronto entre atrizes de gerações distintas torna-se inevitável a comparação com "A Malvada", o magnífico filme de Joseph L. Mankiewicz. Szabó conseguiu uma realização impecável e uma mise-en-scéne muito atraente. Porém os momentos brilhantes (o clímax final é todo ele um logro) se contrapõem com uma insistente e desnecessária atenção a vida sexual da protagonista, observada com um cinismo esnobe que vai além de Maugham (Szabó carrega a tinta no retrato da promiscuidade frívola de alguns seres ávidos por êxito). Fica assim descompensado o equilíbrio entre o drama e a comédia, coisa que não ocorria na obra-prima protagonizada por Bette Davis e Anne Baxter.



# ADORÁVEL JULIA (Being Julia)

Estados Unidos, Hungria, Reino Unido, Canadá, 2004

Direção: István Szabó

Produção: Robert Lantos

Roteiro: Ronald Harwood

Trilha-sonora: Mychael Danna

Fotografia: Lajos Koltai

Elenco: Annette Bening, Shaun Evans, Jeremy Irons, Lucy Punch, Michael Gambon

Duração: 105 min.

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