Em “O Regresso”, o diretor Alejandro G. Iñarritu aposta mais uma vez no virtuosismo técnico que o consagrou em “Birdman”, só que dessa vez saindo do confinamento do espaço teatral e ganhando dimensões épicas. Chamam atenção os longos planos-sequências como o da briga com os índios na abertura, a luta com o urso filmada ao rés do chão e a maneira como ele insere o personagem do explorador vivido por Leonardo DiCaprio dentro da vastidão das paisagens geladas do norte dos Estados Unidos. É de fato uma bela direção, embora em “Birdman” a escolha do longuíssimo plano-sequência que ia praticamente do início ao fim da narrativa fosse a razão de ser para o que o filme queria comunicar sobre um ator de cinema circulando pelo habitat do teatro.
Aqui temos uma história que se divide em duas: a do homem testado até o seu limite pela natureza e a do sujeito em busca de vingança contra o seu algoz. Nas entrelinhas, o filme toca em algumas questões urgentes – e que devem ser levadas em consideração, já que Alejandro Iñarritu é um mexicano brilhando em Hollywood no momento em que um pré-candidato à presidência dispara todo o tipo de barbaridades xenófobas.
O personagem de DiCaprio, Hugh Glass, faz parte de um grupo de aventureiros que explora a caça de ursos para comercializar a pele dos animais, uma atividade que no século 19 atraía inclusive expedicionários franceses. Mas, apesar de agressor da natureza e de enfrentar índios ele não é visto como vilão, pois tem um filho mestiço de uma relação com uma índia que, pelo que vemos em breves flashbacks, foi sincera e amorosa até o cruel assassinato dela por exploradores brancos. O filho adolescente segue com ele, lutando ao lado dos brancos, mas contra índios “maus”.
O contraponto é o personagem de Tom Hardy, John Fitzgerald, que faz parte do mesmo grupo mas desde o início implica com Glass por causa da presença do jovem meio-índio entre eles, e a todo instante profere discursos de ódio contra negros, índios e mestiços – uma metáfora da crescente intolerância nas sociedades ditas civilizadas de hoje.
Embora a atuação de Hardy seja muito boa (em contraste com seu inexpressivo papel de Mad Max), o roteiro exagera na vilania de seu personagem. Estabelecida desde o início essa dicotomia maniqueísta, é incompreensível que o líder da expedição aceite que Fitzgerald fique tomando conta de um moribundo Glass após o ataque do urso. É como colocar a raposa pra tomar conta do galinheiro, um tremendo furo de roteiro que só se serve para que o vilão, que já demonstrara ser mau, ultrapasse todos os limites da maldade humana.
A partir daí temos as duas histórias que se fundem (a de Glass contra a natureza e a de Glass contra Fitzgerald), além de uma terceira, que parece solta e sem conseguir se conectar com o restante da narrativa, que mostra um cacique indígena tentando descobrir o paradeiro de sua filha sequestrada pelos brancos.
No que diz respeito à relação de Glass com a natureza, as poucas tentativas em que o filme tenta dar um cunho filosófico a ela, com narrações em off, são constrangedoras. Meia dúzia de frases de gosto duvidoso como “o vento não derruba a árvore que tem raízes fortes” e o talento do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (o mesmo de “O Novo Mundo” e “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick) para realizar belas tomadas de árvores enquadradas em contra plongée só o transformam num arremedo de Malick.
Felizmente DiCaprio está de fato muito convincente e merece todos os elogios numa atuação de entrega impressionante, o que sustenta o interesse até o previsível duelo final contra o vilão. Em sua essência, por mais que seja bem dirigido, fotografado e com boas atuações, “O Regresso” não passa de mais uma história de vingança pessoal, como aquelas que Hollywood produz às pencas em todo o tipo de cenário. A diferença é que aqui sua embalagem de luxo impressiona mais.