Este não é o primeiro filme do cineasta Tony Gatlif (argelino radicado na França e com raízes ciganas) com Romain Duris (um dos melhores, se não o melhor, ator jovem do cinema francês dos últimos anos). Eles fizeram antes O Estrangeiro Louco (97), e que guarda semelhanças com Exílios, segundo quem viu os dois, e o espetacular Nasci de uma Cegonha (2000), filme em que Duris fazia uma figura digna dos melhores (anti) heróis da Nouvelle Vague.
Identidade humana, social, etária, nacional, por vezes a cultura cigana, e a busca pela inserção no mundo são os temas prediletos de Gatlif, músico além de diretor de cinema. Aqui, Zano (Duris) e Naima (Lubna Azabal), franceses de origem argelina partem rumo ao país de seus pais, tentado encontrar as raízes de sua herança cultural. Nesta viagem há esta motivação clara, alguns diálogos que apontam para esta falta de elo geográfico (Naima falando que desconhece o idioma dos pais), mas não há uma tentativa de desenhar um painel social óbvio e discursivo, e a delicada (para usar uma palavra elegante) relação da França com a Argélia (depois de tudo que o primeiro país apontou com o segundo) não é enfocada diretamente.
Como em outros filmes de Gatlif, há muita energia, numa narrativa que vibra, tenta cativar o espectador pela exaltação, o que incluiu um uso forte da música. Só que o diretor radicaliza sua narração, sendo muito mais enfático do que na tensão emocional dos enquadramentos do documentário Latcho Droom, que celebrava a cultura cigana, mas trazia também um pouco de lamento por ela estar sendo diluída, ou nos truques livres de montagem de Nasci.... A câmera do diretor neste filme é presente de forma extremada, vigorosa, em travellings, panorâmicas, e planos quase gritantes em sua presença (e com a tela cheia dos enquadramentos), que chamam atenção até do espectador que em geral vê a câmera de maneira invisível. Vem daí a impressão que o filme suscita de visceralidade, exuberância, e ela surge num primeiro instante, no que há de mais óbvio e até superficial nisso.
Não é aí que resulta a qualidade desta obra, não pelo que ela mostra, mas sim como demonstra no detalhismo dessa parte física (olhares, gestos, movimentação dentro do plano), que essa câmera serve para ressaltar os sentimentos, a confusão e a delícia de estar no mundo tentando entender a si mesmo e interagir com este mesmo mundo, a constituição de uma maneira de ser plena em contradições e riqueza. É por filmar bem, atendendo à esses pequeninos detalhes que acrescentam filigranas de significado, o corpo e a alma (usando aqui um termo de simplificação que tem seu grau de acerto), que esta obra tem validade real, para além do impacto imediatista, suplantado o mero frenesi.
Algumas cenas e seqüências são irregulares, outras adoráveis (o momento Adão e Eva na plantação de frutas, Naima dançando no campo de futebol, as brigas seguidas de afeto como o tocar as cicatrizes), e a penúltima e bastante longa cena, do ritual, é forte; porém, incorre num certa indulgência, sem falar que concluir logo depois é uma saída fácil (não vale afirmar que não havia mais nada a ser dito), quando poderia ser potencializado o transe daquele momento. E sim, o filme pode sofrer acusação de possuir alguma ingenuidade. Só que sinceridade e a adequação de suas idéias à maneira como elas são demonstradas, superam qualquer restrição.
Merecido vencedor do prêmio de direção em Cannes-2004, este filme mostra como Tony Gatlif é um daqueles cineastas que merecia ser melhor conhecido fora de seu país.
# EXÍLIOS (Exiles)
França, 2004
Direção: TONY GATLIF
Roteiro: TONY GATLIF
Produção: TONY GATLIF, MATILDE RUBIO
Fotografia: CÉLINE BOZON
Montagem: MONIQUE DARTONNE
Música: TONY GATLIF, DELPHIME MANTOULET
Elenco: ROMAIN DURIS, LUBNA AZABAL, ZOUHIR GACEM, LEILA MAKHLOUF
Duração: 104 min
site: http://www.pyramidefilms.com/exils/