Críticas


CHOCOLATE

De: ROSCHDY ZEM
Com: OMAR SY, JAMES THIÉRRÉE, OLIVIER GOURMET
22.07.2016
Por Marcelo Janot
Sob a capa de cinebiografia convencional, oferece algumas camadas de leitura que convidam à reflexão.

Rafael Padilla viveu como escravo em uma colônia espanhola até virar atração de circo na França, em 1897, imitando um canibal para plateias que nunca tinham visto um negro na vida. Descoberto pelo palhaço George Footit, ambos formaram uma célebre dupla circense, com números de humor pastelão em que invariavelmente o negro, batizado com o nome artístico de Chocolate, levava tapas e pontapés do branco, arrancando gargalhadas do público.

O filme CHOCOLATE, dirigido por Roschdy Zem, trata do duplo aprisionamento do personagem. Chocolate (Omar Sy) nunca consegue se livrar do estigma do negro subserviente, apesar da fama e do dinheiro. Ninguém parece interessado em saber seu nome verdadeiro. Ele se livrou da escravidão mas continua escravizado. Como artista, também está preso à figura do palhaço. Sua luta inglória para viver Othello, de Shakespeare, no teatro, reflete o drama de muitos atores cômicos que não conseguem se livrar do estigma do humor em papéis sérios.

Pode-se observar também, no que tange ao preconceito racial, a triste contemporaneidade de uma história que se passa no início do século passado. Se hoje o sucesso artístico e a ascensão social de um negro já não são vistos com tanto espanto, e a própria trajetória de Omar Sy é reflexo disso, por outro lado episódios lamentáveis da recente Eurocopa, como torcedores ingleses jogando moedas e humilhando crianças ciganas em Lille, são praticamente idênticos a uma cena do filme em que habitantes das diversas colônias francesas são expostos em uma feira e os visitantes também lhes arremessam moedas. O roteiro não chega a aprofundar esses temas, tampouco a homossexualidade de Footit, apenas sugerida.

À primeira vista, “Chocolate” parece um veículo para explorar a enorme popularidade que o ator Omar Sy conquistou a partir do filme “Intocáveis”. A produção é caprichada e os atores estão muito bem. Footit é vivido por James Thiérrée, neto de Chaplin, a quem faz lembrar pela semelhança física e o jeito melancólico a la Carlitos. Mas, sob a capa de cinebiografia convencional, a história do primeiro palhaço negro a fazer sucesso na França oferece algumas camadas de leitura que convidam à reflexão.

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