Críticas


PEQUENO SEGREDO

De: DAVID SCHURMANN
Com: MARIA FLOR, JULIA LEMMERTZ, FIONULLA FLANAGAN
10.11.2016
Por Marcelo Janot
O filme que o Brasil escolheu para tentar uma vaga no Oscar é apenas ruim, um dramalhão insosso com uma história edificante

PEQUENO SEGREDO é, segundo texto de um crítico da Folha, “um dos piores filmes brasileiros dos últimos anos”. Aparentemente em resposta a ele, um crítico do G1 escreveu que se trata do “melhor filme brasileiro dos últimos anos”. Não tenho motivos pra duvidar da sinceridade da opinião dos colegas, mas acredito que esse Fla x Flu político que alguns críticos travam motivados pela disputa na indicação ao Oscar seja extremamente prejudicial ao exercício de nossa atividade. Imagino que, nesse mundo de pouca reflexão e muita polarização, leitores coloquem sob suspeita opiniões de críticos sobre “Aquarius” e “Pequeno Segredo” em virtude do posicionamento ideológico de cada um. É como se cada opinião política emitida pelo crítico nas redes sociais pudesse ser usada como justificativa para ele ter gostado ou não de um filme, algo que infelizmente coloca ainda mais em risco a credibilidade da profissão.

Pois “Pequeno Segredo”, se está muito longe de ser “o melhor filme brasileiro dos últimos anos”, tampouco é “um dos piores filmes brasileiros dos últimos anos”. O próprio diretor David Schurmann já fez, em 2011, um filme pior ainda: “Desaparecidos”. Num exemplo mais recente, o longa-metragem do Porta dos Fundos também é pior que “Pequeno Segredo”.

O filme que o Brasil escolheu para tentar uma vaga no Oscar é apenas ruim, um dramalhão insosso com uma história edificante que, a julgar pela qualidade dos filmes que ganharam o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro nos últimos anos, não tem a menor chance. É provável que faça sucesso nos cinemas, como “Nosso Lar” também fez, e aproveitou ainda mais a chance de ganhar visibilidade ao antagonizar com “Aquarius” na disputa pela indicação ao Oscar. O próprio “Aquarius”, que já chegou aos 200 mil espectadores (um número excelente em seu segmento de filme autoral), se beneficiou muito de toda a polêmica que vem provocando desde Cannes – para efeito de comparação, o melhor filme brasileiro do ano, “Mãe Só Há Uma”, de Anna Muylaert, não fez nem um décimo da bilheteria de “Aquarius” nos cinemas, o que diz muito sobre o que hoje leva as pessoas a saírem de casa para ver um filme.

É uma pena ver ótimas atrizes como Julia Lemmertz e Maria Flor desperdiçadas em meio a tantos clichês. Elas até que conseguem emprestar alguma dignidade a seus papéis, o que não se pode dizer de outra boa atriz, a irlandesa Fionulla Flanagan. Sua personagem de mãe/sogra é uma caricatura da megera racista num filme que, apesar de passado em boa parte na Amazônia, não tem índios ou negros em cena. Maria Flor está carregadíssima na maquiagem pra parecer mais moreninha, mas ficou parecendo uma bela espanhola recém-chegada de uma temporada sob o sol de Ibiza.

O roteiro tem lacunas graves como a ausência dos outros filhos dos Schurmann e desenvolve precariamente e com sobressaltos a relação do casal Robert e Jeanne. Comparar duas cenas breves como o momento musical em que personagens se divertem ao som de “Respect”, de Aretha Franklin, com o momento musical ao som de “Another one bites the dust”, do Queen, em “Aquarius”, dá uma clara ideia da diferença do grau de ambição e da qualidade artística dos dois filmes.

A bonita fotografia de Inti Briones e a bela música de Antonio Pinto são exploradas muitas vezes de maneira equivocada, com a música pontuando de forma excessiva as cenas melodramáticas e a fotografia se alternando entre imagens de cartões postais e um excesso de closes nas cenas de diálogos – e como há diálogos... tudo é muito dito e explícito, e alguns são constrangedores.

O diretor deixa a impressão de que pensou que bastava se cercar de um best seller literário e uma equipe competente para produzir um bom filme. Mas, como bem observou o colega Luiz Fernando Gallego, a cena em que a professora de ballet diz para a aluna que “na dança a técnica não é tudo” acaba resumindo um filme que nos lembra, a todo instante, que no cinema a técnica não é tudo.

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