Dois dos fundadores do Dogma 95 realizam uma nova fábula política sobre a sociedade norte-americana, ainda que com uma estética bem distante dos postulados impostos pelo Voto de Castidade cinematográfico que firmaram anos atrás. Lars Von Trier assina o roteiro de temática similar a Dogville" ou Manderlay, e estética próxima ao teatro reflexivo de Brecht. Na direção, Vinterberg (de Festa de Família) coloca sua visão mais humana e pessoal - não tão transcendente como havia feito seu parceiro - sobre problemas contemporâneos.
O resultado é uma alegoria denunciatória contra a política armamentista dos Estados Unidos, e uma crítica também aqueles - que em sua ingenuidade - pretendem organizar uma sociedade sustentada no medo e no uso da violência. Levando-se em conta o plebiscito sobre o desarmamento pode-se dizer que o "alerta" chegou com algumas semanas de atraso.
Querida Wendy traz a história de Dick, um adolescente inadaptado que vive em um povoado mineiro do sudoeste dos Estados Unidos, e que encontra por acaso um revólver ao qual batiza com o nome de Wendy. Este será o ponto de partida para a formação do Clube dos Dândis, ao qual se integram outros cinco jovens marginalizados como Dick, necessitados de alguma estima e de conciliar ideais pacifistas com sua paixão por armas de fogo. Submetidos a alguns regras estritas que lhes obrigam a manter suas atividades em sigilo, seu universo utópico será posto em prova pelas forças policiais locais.
A fita se estrutura em torno de uma carta de despedida que Dick dirige a Wendy, recordando o momento em que se conheceram e a curta duração do Clube. O tom otimista, com uma voz em off que acaba resultando pesada por ser repetitiva, conduz o espectador a outra realidade pessoal e passional em que o jovem adolescente busca o amor de sua escolhida: se convertendo assim em uma autêntica obsessão doentia de caráter erótico, apenas compreensível no afã do diretor por assinalar sua falta de integração em uma sociedade marcada pela violência.
As intenções de Dick e seus correligionários são pacíficas, inicialmente reduzidas ao âmbito especulativo e lúdico, longe de qualquer ação revolucionária. Entretanto, a realidade será outra quando são descobertos e o medo invade a vida dos "estabelecidos" locais. Parábola, portanto, sobre a paranóia norte-americana pós-11 de Setembro, sobre sua absurda política de armar povos que depois se rebelam contra eles próprios, e sobre a cegueira de se pretender acabar com a violência por meio da força.
Se essa é a ótica própria de Lars Von Trier, seu compatriota Vinterberg está mais interessado em ressaltar o desencanto das novas gerações que custam em aceitar o mundo hipócrita que os espera, a frustração do jovem adolescente que luta por alguns ideais e que não se conforma com a rotina diária. Em qualquer caso, o fatalismo paira no ar desde os primeiros minutos para desembocar em um final violento, bem ao estilo de Peckinpah (em Sob o Domínio do Medo), Scorsese (em Gangues de Nova York) ou do próprio Lars Von Trier em Dogville, em mais uma volta do parafuso sobre a violência presente nas origens da nação norte-americana.
Mais drama social que melodrama romântico, mais ideológico que sentimental, este "western" apresenta sua cara mais nórdica em uma mise-en-scéne reduzida a alguns poucos cenários e a objetos carregados de sentido simbólico. A fotografia de fortes contrastes e claro-escuros concede uma aura realista à história e propícia a criação de atmosferas fechadas, sem perder com isto o tom idealista que, como conto moral, precisa. As interpretações, especialmente de Jaime Bell (protagonista de Billy Elliot), estão à altura da proposta do filme, com uma sobriedade e credibilidade adequada para refletir este binômio entre as idéias e a prática, entre as intenções e a realidade.
Querida Wendy é cinema de reflexão moral em torno da violência e da imaturidade de alguns adolescentes e de todo um povoado. Seu caráter alegórico e a mise-en-scéne um tanto fria podem dificultar que o espectador entre na história: porém, se se aceitam esses pressupostos, descobre-se uma fita inteligente, apesar de não estar isenta de um tom previsível em seu desenvolvimento e parcial ao julgar o país americano.
# QUERIDA WENDY (Dear Wendy)
Dinamarca, França, Alemanha, Reino Unido, 2005
Direção: Thomas Vinterberg
Roteiro: Lars Von Trier
Produção: Sisse Graum Olsen
Fotografia: Anthony Dod Mantle
Elenco: Jamie Bell, Bill Pullman, Michael Angarano, Danso Gordon, Novella Nelson, Chris Owen.
Duração: 105 min.