Críticas


A ECONOMIA DO AMOR

De: JOACHIM LAFOSSE
Com: BÉRÉNICE BÉJO, CÉDRIC KHAN
02.12.2016
Por Marcelo Janot
As hesitações e incertezas do casal se manifestam muito mais pelos gestos tão inteligentemente captados pelo diretor do que pelos diálogos.

Dificuldades financeiras fazem com que muitos casais continuem morando juntos mesmo depois que a relação amorosa chega ao fim. Na França, por exemplo, o divórcio pode significar a perda de benefícios concedidos pelo governo. Sacrificam-se, portanto, as liberdades individuais, pelo menos enquanto as contas não fecham.

Em “A economia do amor”, dirigido pelo belga Joachim Lafosse, os personagens passam o filme fazendo contas. Marie e Boris discutem o quanto cada um tem direito sobre o valor da casa em que vivem. O imóvel pertence a Marie, doado por seus pais, mas Boris quer 50% por ter sido o arquiteto responsável pela reforma que valorizou a casa. Enquanto não chegam a um acordo, ele dorme no quarto que serve de escritório, e ambos dividem as tarefas de cuidar das filhas gêmeas.

A casa é protagonista. Aconchegante, com cômodos sem divisórias que soam como um convite à aproximação física e afetiva, fruto da paixão do casal. E ganha um novo significado durante a crise, pois dificulta o distanciamento que Marie quer de seu marido, que agora vê como um intruso.

Lafosse usa o espaço cênico para traduzir o que os aproxima e os afasta. Há um plano-sequência de três minutos no meio do filme que é exemplar: Marie está na cama lendo entediada, vai até a cozinha, pega um suco e senta no sofá do cômodo de Boris, que está no computador. Ele levanta, vai até a cozinha, pega uma cerveja, senta em frente a ela. Pela primeira vez na cena, os dois estão no mesmo quadro. Sem trocarem um diálogo, ela levanta, volta para o quarto, apaga a luz e dorme.

As hesitações e incertezas do casal se manifestam assim, muito mais pelos gestos tão inteligentemente captados pelo diretor do que pelos diálogos. Bérénice Béjo, que protagonizou o filme mudo “O artista” e o ótimo “O passado”, interpreta aqui seu melhor papel. Já Cédric Khan consegue transmitir com brilhantismo a sensação dúbia que se tem sobre seu personagem: uma vítima da “luta de classes” ou da própria insensibilidade? Melhor que o espectador decida, como convém a um filme que sabe dar conta de tanta complexidade.



Publicado originalmente em O Globo de 02.12.16

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