Dificuldades financeiras fazem com que muitos casais continuem morando juntos mesmo depois que a relação amorosa chega ao fim. Na França, por exemplo, o divórcio pode significar a perda de benefícios concedidos pelo governo. Sacrificam-se, portanto, as liberdades individuais, pelo menos enquanto as contas não fecham.
Em “A economia do amor”, dirigido pelo belga Joachim Lafosse, os personagens passam o filme fazendo contas. Marie e Boris discutem o quanto cada um tem direito sobre o valor da casa em que vivem. O imóvel pertence a Marie, doado por seus pais, mas Boris quer 50% por ter sido o arquiteto responsável pela reforma que valorizou a casa. Enquanto não chegam a um acordo, ele dorme no quarto que serve de escritório, e ambos dividem as tarefas de cuidar das filhas gêmeas.
A casa é protagonista. Aconchegante, com cômodos sem divisórias que soam como um convite à aproximação física e afetiva, fruto da paixão do casal. E ganha um novo significado durante a crise, pois dificulta o distanciamento que Marie quer de seu marido, que agora vê como um intruso.
Lafosse usa o espaço cênico para traduzir o que os aproxima e os afasta. Há um plano-sequência de três minutos no meio do filme que é exemplar: Marie está na cama lendo entediada, vai até a cozinha, pega um suco e senta no sofá do cômodo de Boris, que está no computador. Ele levanta, vai até a cozinha, pega uma cerveja, senta em frente a ela. Pela primeira vez na cena, os dois estão no mesmo quadro. Sem trocarem um diálogo, ela levanta, volta para o quarto, apaga a luz e dorme.
As hesitações e incertezas do casal se manifestam assim, muito mais pelos gestos tão inteligentemente captados pelo diretor do que pelos diálogos. Bérénice Béjo, que protagonizou o filme mudo “O artista” e o ótimo “O passado”, interpreta aqui seu melhor papel. Já Cédric Khan consegue transmitir com brilhantismo a sensação dúbia que se tem sobre seu personagem: uma vítima da “luta de classes” ou da própria insensibilidade? Melhor que o espectador decida, como convém a um filme que sabe dar conta de tanta complexidade.
Publicado originalmente em O Globo de 02.12.16