Críticas


VOCAÇÃO DO PODER

De: EDUARDO ESCOREL e JOSÉ JOFFILY
09.12.2005
Por Carlos Alberto Mattos
NOS QUINTAIS DA POLÍTICA

Um dos efeitos indiretos da eleição de Lula à presidência da República em 2002 foi o restabelecimento das campanhas políticas como tema de documentários no Brasil. De alguma maneira, é o próprio caráter espetacular da democracia que vem transparecendo em filmes como Entreatos, de João Moreira Salles, o inédito Intervalo Clandestino, de Eryk Rocha, e este Vocação do Poder.



Nas eleições municipais de 2004, um total de 1101 candidatos concorreram a 50 vagas de vereador na cidade do Rio de Janeiro. Eduardo Escorel e José Joffily seguiram os passos de seis candidatos de primeira viagem, ligados a seis partidos diferentes e com bases em distintas parcelas da sociedade carioca. Da montagem sintética e criteriosa desse material, Vocação do Poder retira um instantâneo da disputa política naquilo que ela tem de mais cru e comezinho: o corpo-a-corpo com os eleitores nas ruas, a árdua conquista de espaços de exposição, o acionamento das máquinas eleitorais – algumas poderosas, outras praticamente inexistentes – enfim, o quintal da política, onde cada 10 votos parecem decisivos para a deflagração ou o adiamento de uma carreira.



Cinco dos seis personagens são jovens. Dois são herdeiros de dinastias políticas locais. Todos personificam maneiras peculiares de conduzir a prática política. André Luiz Filho (PMDB, 15123) tem pais deputados, família adepta do clientelismo explícito e com indícios de ligação com o tráfico. Carlos Caiado (PFL, 25622) também embalou-se em berço de tradições políticas e, como todos de seu partido, aninhou-se sob a asa do prefeito César Maia. A pastora evangélica Márcia Teixeira (PL, 22021) mais parece deixar-se levar pela argúcia do marido, fundador de uma igreja, e pelo frenesi dos fiéis do que protagonizar de fato uma vocação de poder. Antonio Pedro (PSDB, 45045) recusa-se a fazer promessas e não perde a elegância tucana nem quando vai panfletar nas cercanias da Central do Brasil. Felipe Santa Cruz (PT, 13121), filho de presos políticos, entende o seu ofício como um debate permanente, a que faltam interlocutores. Por fim, M.C. Geléia (PV, 43384), sem grana nem para o próprio lanche, pretende ganhar a confiança da comunidade mostrando-se como alguém que fala e vive como qualquer outro ali.



Esse elenco provê ao filme uma deliciosa diversidade de tipos dramáticos, que vão do galã ao alívio cômico, passando pelo filhinho do papai, o intelectual e a devota. Sem soarem tendenciosos nem judicativos, Joffily e Escorel conseguiram definir esses papéis nas entrelinhas da edição, na medida em que valorizavam este ou aquele momento da trajetória de cada um. Ao mostrarem, por exemplo, Felipe Santa Cruz dialogando com platéias esvaziadas em grandes instituições da cidade, eles estão evidenciando não apenas o definhamento do debate político na instância do poder municipal, como também o antigo dilema petista de buscar o ideal enquanto o real escorre entre os dedos.



O momento em que M.C.Geléia desaconselha a equipe a subir um morro com ele também informa tanto sobre os limites do documentário, como sobre as barreiras que fazem do Rio de Janeiro uma espécie de Palestina em guerra semi-declarada.



A pretendida investigação sobre as motivações desses jovens políticos em início de carreira, conforme anuncia o título do filme, não é plenamente desenvolvida. Preferiu-se não questioná-los diretamente sobre o chamado do poder, ou quem sabe não incluir essas conversas na edição final. Contudo, a partir do que é exposto, não é difícil para o espectador intuir em que direção caminha o futuro político dessa triste cidade.





# VOCAÇÃO DO PODER

Brasil, 2005

Direção e roteiro: EDUARDO ESCOREL e JOSÉ JOFFILY

Fotografia: LUÍS ABRAMO, FRED ROCHA, GUY GONÇALVES

Montagem: FERNANDA RONDON, EDUARDO ESCOREL, JOSÉ JOFFILY

Duração: 110 minutos

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