É no confinamento que as personagens de Bens Confiscados alcançam a própria libertação. Este paradoxo desponta de modo mais flagrante em Penha, figura coadjuvante do filme de Carlos Reichenbach, que evoca, em certa medida, a absolutamente desamparada Aninha, do excelente Anjos do Arrabalde . Mas talvez se possa observar algo próximo nos protagonistas – a enfermeira Serena e o jovem Luís, que ensaiam uma história de amor no final do período em que permanecem juntos, aprisionados devido a interesses externos diversos.
Lembrando Dois Córregos na articulação entre vida do país e percursos individuais, Bens Confiscados passa a priorizar o intimismo poucos minutos após o início da projeção. Reichenbach se movimenta do geral para o particular, transição percebida já no deslocamento geográfico. Não por acaso, o filme começa com uma tomada da paisagem vertical de São Paulo, sublinhando sua forte ligação com a cidade, e recomeça com outra tomada, de copas de árvores, na travessia de Serena rumo às quase desertas praias azul-acinzentadas do sul do Brasil.
A fuga da cidade para a praia gera mais uma mudança: o escândalo político, que abre o filme, perde terreno para a esfera dos relacionamentos, apesar de permanecer determinando as trajetórias de Luís, representante de uma juventude rebelde e desnorteada, e Serena, que sustenta uma ligação amorosa quase secreta. Uma personagem que lida com o elemento clandestino, lembrando, mesmo longinquamente, a professora Dália de Anjos do Arrabalde (interpretada pela própria Betty Faria) que também não se assumia por completo – no caso, a sexualidade.
Dono de um cinema rico na mescla entre o popular (a “formação” na efervescente Boca do Lixo paulistana) e o refinado (as referências, literais ou não), Carlos Reichenbach não encontra, porém, o melhor equilíbrio entre o escracho e a delicadeza no resultado final de Bens Confiscados porque não parece realmente investir em nenhum dos dois “registros”. E se personagens como Serena, Luís e Penha adquirem alguma força na tela grande, não se pode dizer o mesmo do Miklos de Eduardo Dussek.
# BENS CONFISCADOS
Brasil, 2005
Direção: CARLOS REICHENBACH
Roteiro: CARLOS REICHENBACH e DANIEL CHAIA
Produção: SARA SILVEIRA e BETTY FARIA
Música: IVAN LINS e NELSON ÁYRES
Fotografia: JACOB SARMENTO SOLITRENICK
Elenco: BETTY FARIA, RENAN GIOELLI, WERNER SCHUNEMAN, ANTONIO GRASSI
Duração: 109 minutos