Críticas


MULHER MARAVILHA

De: PATTY JENKINS
Com: GAL GADOT, CHRIS PINE, DAVID THEWLIS
01.06.2017
Por Hamilton Rosa Jr.
Representa o sentimento de esperança de que algum dia a racionalidade feminina ainda vai vencer a brutalidade masculina

Esse Mulher Maravilha é um filme cheio de senões. É longo demais, limpo demais (choro, suor e sacrifícios são sempre impecavelmente iluminados e maquiados para parecem lindos), exagerado nos efeitos e, como aventura, está longe de apresentar fluidez narrativa. A diretora Patty Jenkins nunca equilibra as dosagens de ação, humor e drama com harmonia e leveza. Disso, resulta um espetáculo todo compartimentado e truncado. Tem trechos que são só cômicos, outros só de ação, outros exclusivamente dramáticos. Neste sentido, a engenharia da Marvel é bem mais azeitada, as peças são melhor encaixadas e os filmes, mais divertidos e redondos.

A mão pesada de Patty Jenkins na direção, contudo, não impede o filme de vender sua nobre mensagem política. De fato, Mulher Maravilha trabalha questões especificamente femininas, sem fazer do rancor ou do proselitismo o centro de seu olhar. O roteiro (curiosamente assinado por cinco homens) tem lá seus achados e com mais a presença da atriz Gal Gadot sustentam o edifício e não o deixam cair.

A Diana Prince de Gadot é a mulher cheia de nuances. Forte e dedicada, com sensibilidade e inteligência para driblar as burrices e patadas dos brutamontes. Jenkins filma a beleza escultural de Gadot e suas amigas amazonas, no mesmo espírito altivo que Leni Riefensthal registrava os atletas nazistas no cinema dos anos 30. As mulheres no filme são como deusas, superiores num primeiro momento, mas quando olhadas de perto, revelam traços de ingenuidade e fraqueza. Diana é a mais contraditória das Amazonas.

Ela nasce num ilha chamada Themyscira, um lugar paradisíaco, de rochedos e cascatas que parecem esculpidos por sonhos. Filha do mitológico Zeus, Diana é cuidadosamente escondida dos olhos dos desafetos, para nunca ser usada como elemento de barganha. Mas apesar da proteção de uma tribo de guerreiras, Diana revela ter poderes para se virar muito bem sozinha. E embora ainda não saiba, seu destino ou maldição será usá-lo por toda sua existência.

O mundo exterior invade a terra confortável da princesa de Themyscira, graças a um soldado norte-americano. É a Primeira Guerra Mundial, e o avião de Steve Trevor (Chris Pine) está sendo perseguido pelos alemães. O soldado leva dois sustos: o primeiro, quando atravessa o portal entre os dois mundos, o segundo, quando encontra as mulheres, fortes e destemidas. As amazonas de Themyscira deixam Steve contrariado ao dispensar qualquer ajuda masculina. Numa cena bem humorada, Diana explica para o rapaz que os homens são indispensáveis para a procriação. E só. Para o prazer, ela frisa, há métodos mais eficazes.

Essa observação formidável, claro, acaba sendo acelerada, porque os produtores acreditam que é de ação que o público gosta. É preciso então que os personagem obedeçam a produção e comecem a correr. Opa, como já mostraram muito a ilha, vamos mudar o cenário para não cansar! Steve retorna às linhas aliadas, e Diana espontaneamente decide acompanhá-lo. Ela tem uma espada e um escudo e a idéia ingênua de que, se puder localizar e matar Ares, Deus da guerra, acabará com o conflito mundial. Essa motivação leva à parte mais agradável do filme. Diana não sabe nada sobre os homens. Aliás, não sabe nada sobre a civilização moderna, e é divertido vê-la fazer suas descobertas.

Na Londres de 1918, ela reage ao barulho e aos carros. Experimenta um sorvete, e adora, e, como uma criança, grita de prazer ao descobrir o segredo de atravessar a porta giratória de um hotel. A mocinha também percebe que a opinião de uma mulher talvez não seja tão valorizada como tinha em Themyscira. E, pra enlaçar o pacote de desilusões, um mundo cheio de destruição e miséria descortina-se para ela, numa escala inimaginável.

É aqui que Mulher Maravilha torna-se mais do que apenas diversão e jogos de guerra. Este filme facilmente poderia ter sido outro exercício cansativo a definir o feminismo como a oportunidade de uma mulher ser tão ou mais violenta que o mais opressor de seus parceiros. Em vez disso, Mulher Maravilha segue em direção oposta. Ele apresenta Diana como o princípio feminino que representa as artes da vida e, em última instância, o amor, em colisão com um mundo que homens tentaram coletivamente reprimir desde o começo da humanidade.

Ao longo desta linha, Mulher Maravilha atinge momentos emocionantes que são incomuns para um filme do gênero. Em particular, há uma cena em que Diana atravessa uma cidade que foi bombardeada com gás mostarda e todos os seus habitantes morreram. Vemos no rosto de Gadot a emoção da dor e da tristeza de deparar-se com o horror da guerra, e seu desencanto expressa algo muito além do que costumamos observar neste tipo de filme. Considerando que no centro desse quadro temos uma atriz israelense, que inclusive serviu no exército de Israel, fica patente que não temos apenas uma atriz representando, mas uma pessoa que com certeza já esteve mais próxima dos horrores de uma guerra química do que nós.

Felizmente, nem todos os homens são ruins em Mulher Maravilha. Existem alguns bons, como Steve Trevor, que tem uma qualidade curiosa: ele está sempre tentando recuperar o atraso. Às vezes, Steve tem que evitar as conseqüências da ingenuidade de Diana, ele tenta argumentar, mas nem sempre consegue convencê-la. O rapaz tenta protegê-la, mas é ela que o protege. Do elenco, sobressai também a atuação de David Thewlis, como um parlamentar gentil, que encontra sempre nuances inesperadas para seu papel. E do outro lado das linhas, Danny Huston que acrescenta mais um vilão odioso em sua extensa galeria, um general alemão à procura de vitória usando seu poderoso gás tóxico.

Por vezes, os roteiristas baixam o nível e plagiam na cara de pau cenas de Capitão América. Contei dois trechos que são quase decalques do filme do herói patriota, uma no momento em que Steve leva Diana a uma cantina para recrutar um pelotão particular, e outra em que a moça, com seu heroísmo, avança contra os inimigos e sensibiliza, os acovardados soldados ingleses a saírem da trincheira. A roubada aqui é deslavada e muita feia.

Ainda assim, entre mortos e feridos, o filme agüenta-se graças ao carisma de Gal Gadot. O sentimento de esperança, que algum dia a racionalidade feminina ainda vai vencer a brutalidade masculina, está esculpido em cada close da atriz. Essa é parte empolgante que tira Mulher Maravilha do lugar comum.

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Outros comentários
    4570
  • Allard Amaral
    06.06.2017 às 06:59

    "Mulher Maravilha"- Super produção épica da saga de Diana princesa de Temeris, desde criança sendo treinada pela tia, até a idade adulta. A maior parte do filme é um flash back da Mulher Maravilha (Diana - Gal Gadot). Uma miscelânea de história em quadrinhos, drama, humor, fantasia e guerra mundial. O filme é bem elaborado, com cenas de ação irrepreensíveis e enredo muito bem escrito. Diversão garantida, passatempo delicioso, vale o ingresso. O efeito 3D dá grandiloquência a película !
  • 4581
  • Fabio Salvador
    16.06.2017 às 06:14

    Nossa... "o sentimento de esperança, que algum dia A RACIONALIDADE FEMININA AINDA VAI VENCER A BRUTALIDADE MASCULINA"... que frase mais preconceituosa e ofensiva, não acha? É algo equivalente ao velho chavão de que "a objetividade masculina deve dominar sobre o sentimentalismo feminino". É algo tão ofensivo quanto. Agora, eu nem vou assistir ao filme, para não correr o risco de sair da sala irritado. Nossa. Se fosse um homem a fazer este tipo de discurso, veríamos uma chuva de manifestações feministas variadas pela rede. Sinceramente.
  • 4582
  • Henry
    16.06.2017 às 10:25

    Estou a ansioso para assistir esse filme.
  • 4583
  • Hamilton Rosa Jr.
    18.06.2017 às 09:58

    Fábio, meu caro, acho que houve um pequeno equivoco da sua parte. Nesse trecho que você frisou estou apenas descrevendo como infelizmente funciona nossa sociedade, não estou dizendo que compactuo com a circunstância. Sugiro que antes de debatermos o tema, você releia o texto na íntegra, para evitar emitir julgamentos precipitados.