Angela, uma mulher madura e sem maiores atrativos, recebe telefonemas silenciosos todas as noites. O silêncio do outro lado da linha propicia que ela fantasie, de acordo com seus desejos, quem estaria ligando. E ela quer acreditar que possa ser o marido que a abandonou recentemente e que talvez esteja envergonhado de pedir para voltar para ela.
Mas quem liga é Diogo, o filho adolescente da terapeuta de Angela. Ele pega os números de telefone das pacientes de sua mãe e liga para várias. Provavelmente Angela deve ser aquela que mais prolonga as ligações sem desligar de imediato, já que quem ligou permanece mudo. Por estar muito carente, ela fica falando com quem supõe ser seu ex-marido, mesmo que nada lhe seja respondido. O contato demorado, por outro lado, atende ao desejo de Diogo no sentido de se masturbar enquanto a ligação se prolonga e ele escuta uma voz de mulher falando, mesmo que se dirigindo a outro homem ausente.
Curiosamente, o filme não mostra a relação de Angela com sua terapeuta nesta fase da história, sendo bem difícil imaginar que uma pessoa tão fragilizada por um abandono recente não conte nas sessões que tem recebido telefonemas silenciosos que está atribuindo ao ex-companheiro. Mas o roteiro não quis nos mostrar se isto acontecia, ou se Angela seria aquele tipo de paciente que vai às sessões mas também fica em silêncio. Tal silêncio de Angela surge na única vez que vemos a paciente no divã, com a terapeuta sendo mostrada dentro do estereótipo dos “psicanalistas de charges”, com bloquinho e caneta na mão para fazer anotações durante o atendimento - o que raramente deva acontecer nas terapias reais. Nesta cena a paciente omite algo importante que lhe acontecera, mas já depois de ter identificado que quem lhe telefona tem o mesmo sobrenome de Clarice, a terapeuta. Então ficamos mesmo sem elementos para saber como se dava o relacionamento entre Clarice e Angela.
Já a conduta de Clarice fora do consultório, como mãe e esposa, fica bem evidenciada logo no início numa clássica cena de jantar em família. Quase ninguém conversa (e mais tarde, Marcos, o marido, fará tal queixa à esposa), exceto a filha menor que diz estar com medo de “apendicite” por conta de uma dorzinha de barriga. A mãe, nesta hora, se conduz como (má) terapeuta, resumindo a atitude da filha como “hipocondria”, sem se perguntar (se fosse uma boa profissional, mas principalmente como mãe) por que a filha estaria tão assustada com sintomas aparentemente banais.
Diogo, por seu lado, está sempre com fones no ouvido e, ao mesmo tempo, lê enquanto come: já teria desistido de buscar a atenção da mãe? Quando vai pedir um cheque para pagar inscrição no vestibular, ela não o atende de pronto. Talvez quando ele precisou se submeter a uma cirurgia de apendicite no passado tenha recebido atenção da mãe, e por isso a irmãzinha lhe peça para ver a cicatriz dele e passa até a desejar estar com a mesma doença para auferir os mesmos cuidados.
Não é preciso ter muita imaginação para o espectador perceber que Angela vai identificar que quem lhe telefona é o filho da terapeuta, e a partir daí o roteiro vai se desenvolver dentro de uma dramaturgia nem sempre satisfatória.
É interessante que o silêncio dos telefonemas de Diogo funcionem de modo análogo ao “silêncio terapêutico” de tantas técnicas psicanalíticas que visam induzir à verbalização por parte dos pacientes - enquanto o analista se mantém ao máximo dentro de uma “regra de abstinência” quase em mutismo.
Também os “silêncios” de Clarice fora do consultório, como mãe, poderiam oferecer uma compreensão para as atitudes de Diogo - 17 anos, quase 18, nos dias de hoje no Rio de Janeiro – que precisa telefonar para pacientes de sua mãe como forma de excitação sexual para se masturbar. Ele erotiza por meio de um fetiche sua relação edipiana mal elaborada pela distância que a mãe parece ter em relação aos filhos?
Ou seja, o argumento nos traria um insólito “triângulo”, não necessariamente “amoroso”, entre uma paciente, sua terapeuta e o filho da terapeuta, sendo que as duas extremidades aproximam-se pela lacuna que o vértice (terapeuta/mãe) significa para ambos?
É uma pena que a construção da personagem da terapeuta mostre uma pessoa tão despreparada para suas funções, dentro e fora da profissão, oferecendo poucos elementos para compreendermos melhor suas dificuldades pessoais. Ao personagem de seu marido ainda são dados menos elementos de caracterização, exceto quando ele verbaliza insatisfações conjugais. Com isto, desperdiçam-se o que atores como Denise Fraga e Emílio de Mello poderiam oferecer para maior verossimilhança nas situações. Karine Teles e Tom Karabachian fazem bem aquilo que podem fazer com seus personagens, aos quais o roteiro dá mais tempo em cena: são personagens bem interessantes na situação de base, mas nem sempre verossímeis no desenvolvimento. Anita Ferraz (a irmã menor) e Daniel Rangel (Guilherme, um amigo de Diogo), em personagens coadjuvantes, estão bem, ainda que a intervenção de ‘Guilherme’ no enredo também fique como uma ponta solta inserida sem maior organicidade com o todo. Mas o pior de tudo é o desfecho que parece improvisado na base “o filme tinha mesmo que se encerrar” e foi assim porque o roteirista assim quis. Forçado.
Em filmes de outros diretores, o roteirista, agora estreando na direção, já demonstrara ter boas ideias com desenvolvimentos pouco satisfatórios, e o mesmo problema se repete neste Fala Comigo. Na direção, o abuso de grandes planos nos rostos dos atores nem sempre se justifica, exceto por mostrar a sensibilidade de Karine Teles, premiada como melhor atriz no Festival do Rio 2016. Mas para ter sido o melhor filme no mesmo festival, fica a impressão de que a mostra não foi das mais empolgantes.