Críticas


RODNEY KING

De: SPIKE LEE
Com: ROGER GUENVEUR SMITH
09.07.2017
Por Marcelo Janot
Como é bom ver Spike Lee de volta em grande forma, fazendo o que sabe melhor.

“Rodney King”, filme de Spike Lee lançado exclusivamente no Netflix, fecha com chave de ouro, ao lado dos documentários “O.J.: Made in America”, de Ezra Edelman, e “Eu Não Sou Seu Negro”, de Raoul Peck, uma tríade de obras recentes fundamentais para se entender a complexidade da questão racial na sociedade norte-americana.

“O.J.” dá ênfase ao contexto em que se cria um mito como O.J. Simpson e mostra como sua força simbólica frente à população negra foi explorada pelos advogados de defesa para absolvê-lo de um crime em que ele era claramente culpado. “Eu Não Sou Seu Negro” dá voz ao pensamento do escritor James Baldwin (1924-1987) sobre o papel de Malcolm X, Martin Luther King e Medgar Evers na luta pelos direitos civis dos negros e mostra como isso se reflete nos dias de hoje. Ambos dialogam diretamente com um episódio marcante e divisor de águas nesse histórico de racismo nos EUA: o espancamento do taxista Rodney King por quatro policiais em 1991, em Los Angeles, e o consequente absolvimento deles, no ano seguinte, o que acabou dando origem à violentíssima onda de protestos de 1992 na California.

“Rodney King”, o filme, vai recontar com detalhes o que King sofreu e sua consequência, sem exibir uma única cena de violência explícita. Em seus 53 minutos de duração, tudo o que vemos é um monólogo do ator Roger Guenveur Smith, filmado por Spike Lee durante uma apresentação (não se sabe onde e nem se vê a plateia presente). As luzes estão direcionadas para o palco, e a câmera praticamente gruda em Smith para acompanhar sua performance, cuja intensidade visceral lembra muito Denise Stoklos e seu Teatro Essencial.

A maestria do diretor está em captar toda essa energia de maneira que possamos senti-la em casa, na tela da TV. Lee sabe o que representa a força de cada gesto, de cada olhar, de cada gota de suor que toma conta do corpo de Smith enquanto ele dá voz brilhantemente aos vários agentes dessa história. Seu discurso é poético, quase sempre rimado como num longo rap, e as onomatopeias que reproduzem o espancamento tornam tudo ainda mais revoltante do que se estivéssemos revendo o vídeo caseiro que revelou a agressão a King. Como é bom ver Spike Lee de volta em grande forma, fazendo o que sabe melhor.

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