Logo no início de Pendular, filme de Lucia Murat, o casal protagonista interpretado por Raquel Karro e Rodrigo Bolzan divide ao meio com uma fita o amplo galpão onde mora. Cada um trabalha num desses espaços delimitados – ela, bailarina, ensaiando suas coreografias e ele, artista plástico, criando esculturas de grande porte.
Ao longo da projeção, porém, essa separação rígida de espaços é tensionada e renegociada. Em determinado instante, ele afirma que precisa de mais espaço. A questão pode ser estendida para o âmbito da intimidade. Há uma cena em que ambos trocam as posições sexuais e passam a experimentar o lugar do outro. Talvez os personagens de Pendular desejem vivenciar os dois espaços – ou, quem sabe, todos os espaços. Esse acúmulo diz respeito ainda ao personagem de Marcio Vito, crítico de arte e, ao mesmo tempo, amigo do casal.
Exibido no Festival de Berlim, Pendular desponta como uma proposta artística próxima de Em Três Atos , dirigido recentemente pela mãe de Julia, Lucia Murat. Os dois filmes são estruturados em atos – o de Lucia, como o título anuncia, em três ( Corpo , Morte , Despedida ) e o de Julia,em quatro ( A Chegada de Alice , O Ímpeto , A Ação e A Contração ). Em Três Atos era ambientado, em boa parte, num espaço fechado (uma sala de ensaio) e contava com as presenças de bailarinas – Angel Vianna e Maria Alice Poppe, que dançavam uma coreografia de João Saldanha, Qualquer Coisa a Gente Muda . Em Pendular , há as sequências de dança com Raquel Karro e a inclusão de um trecho de filme de Jonathan Demme, com a coreógrafa Trisha Brown.
O destaque ao corpo é mais uma característica propiciadora de articulações entre as duas produções. Enquanto Lucia frisava as mudanças físicas decorrentes da passagem do tempo, Julia potencializa extremos de dor (feridas, traumas) e prazer (a intensidade sexual do casal). Em Pendular , a importância do corpo também vem à tona em momentos mais cotidianos, como as partidas de futebol realizadas com os amigos e a preparação de um peixe.
Para completar, há uma discussão sobre o processo artístico que integra os dois filmes. Lucia Murat refletiu sobre a finitude a partir de textos de Simone de Beauvoir. Julia Murat, além de mostrar as criações concomitantes de seus personagens centrais, realça a existência de um cabo de aço que atravessa o espaço do galpão sem utilidade definida. Um elemento que pode remeter à inutilidade da obra de arte (no sentido prático/pragmático), que, nem por isso, deixa de ser transformadora e revolucionária.
Leia também o texto de Maria Caú sobre este mesmo filme na seção CONVIDADOS deste site