Críticas


THE POST: A GUERRA SECRETA

De: STEVEN SPIELBERG
Com: MERYL STREEP, TOM HANKS, BOB ODENKIRK, SARAH PAULSON
25.01.2018
Por Luiz Fernando Gallego
Revelar verdades ocultadas em nome de suposta segurança? Ignorar o compadrio em prol da notícia? Boas perguntas e respostas.

Já se disse que Steven Spielberg chegou a dominar a carpintaria dos filmes que dirige como um dos mais hábeis artesãos da cinematografia para grande público. Em The Post: a guerra secreta, seu mais recente filme, tudo funciona como um cronômetro de precisão: cada cena acontece a seu tempo, as peças e engrenagens se encaixam de modo azeitado visando levar os espectadores até o “momento da emoção” em que as adversidades serão vencidas e o heroísmo recompensado. Para parte da plateia e da crítica, este modelo pode não interessar tanto, mas geralmente o público se deixa levar - e o que o diretor quer é isso mesmo: atingir o efeito esperado.

Mas nem mesmo toda sua experiência e artesanato evitam percalços, alguns mais sérios do que outros: entre Munique (2005) e Ponte dos Espiões (2015) Spielberg errou a mão algumas vezes seguidas, especialmente no descompasso entre a ambição e o resultado do acalentado projeto de Cavalo de Guerra (2011) – para não falar do desastre da última aventura de Indiana Jones - e o reino da Caveira de Cristal (2008) - sendo que deve vir outro exemplar da série a caminho, previsto para 2020. Se Lincoln (2012) ficou aquém das intenções, este The Post (título original) corresponde ao pretendido: falar do escândalo sobre os “Papéis do Pentágono” durante o governo Nixon em 1971 para atacar o atual ocupante da Casa Branca - defendendo a liberdade de imprensa e de informação como direito e valor fundamentais para as democracias.

Pode ser que o público que desconheça os fatos (eram documentos top secret de 14 mil páginas sobre a política americana em relação à Guerra do Vietnã) estranhe que um filme alardeado como do subgênero “jornalismo” comece com uma cena em campo de guerra e as tomadas seguintes falem da abertura de capital do jornal The Washington Post. O mecanismo custa a engrenar nos primeiros 15 minutos, o que pode desestimular parte da plateia, ainda que tudo que se vê sem aparente conexão óbvia inicial vá se encaixar com eventos posteriores ao longo do roteiro igualmente “técnico”.

Técnica também não falta à interpretação de Meryl Streep, uma das menos “emocionais” da atriz - mas tudo parece ter sido planejado desta forma, já que o segundo alvo do filme é mostrar o – vá lá – empoderamento de uma mulher, herdeira do jornal cuja administração havia sido entregue por seu pai ao genro, e não à filha. Com o suicídio do marido, Katherine Graham (papel de Meryl) assumiu tanto a abertura de capital da empresa como teve que enfrentar a decisão de publicar - ou não - os documentos sigilosos logo depois que o New York Times foi impedido de prosseguir na divulgação que havia iniciado antes mesmo do Washington Post.

Para o publico brasileiro, a questão de “verdades que se pretendiam ocultadas” passou a ser muito sensível nos últimos tempos face à filigrana jurídica quanto a elementos de um processo colhidos de modo considerado legalmente “vicioso” - como no caso de escutas sem autorização judicial expressa. Podem ser legítimas se for de interesse da nação? Não são situações análogas, claro, mas o cerne do problema está no que deve prevalecer: uma verdade de interesse nacional ou o modo como essa verdade foi descoberta - e revelada? O que deve pesar mais: a (suposta) segurança ou a liberdade de informação? No caso do filme, os fatos são colocados de modo que a plateia tome posição idêntica à do diretor: valia a pena que os sucessivos governos americanos (Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon) continuassem a enviar soldados para morrerem no Vietnã, mesmo sabendo o que tudo indicava, há tempos, de que se tratava de uma guerra perdida?

Outro dilema apresentado é a questão da fidelidade aos amigos pessoais e os compromissos profissionais de um jornalista ou de uma proprietária e editora-chefe de um jornal. A decisão de evitar o compadrio também pode ser cara para nosso público, por mais que a situação do filme e nossa realidade sejam tão diferentes. Infelizmente, para nós.

No mais, sempre há tempo para observar outros desempenhos paralelos ao da dupla protagonista (Streep e um Tom Hanks no piloto automático), com destaque para um excelente Bob Odenkirk bem distante do ‘Saul’ de Breaking Bad ou de Better call Saul. Assim como, na reconstituição de época, os figurinos usados por Meryl Streep podem chamar a atenção dos interessados em detalhes.



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Outros comentários
    4671
  • Jorge Duete
    28.01.2018 às 18:25

    Bom filme! Spielberg entrega o que se espera, como diz a sua crítica, Gallego. Nem sempre é possível ser brilhante, mas o mínimo que podemos esperar dos grandes diretores é, ao menos, um filme eficiente.
  • 4673
  • Conrado
    30.01.2018 às 08:47

    Não gostei do filme, mas achei a sua crítica muito justa, Gallego. Grande abraço.
    • 4674
    • Luiz Fernando Gallego
      30.01.2018 às 13:56

      Obrigado