Dos filmes recentes do coreano Kim ki-Duk, Time talvez seja o que mais escamoteia a assinatura do autor. Não existe ali, por exemplo, a radical economia de diálogos que constitui uma de suas principais características de estilo em obras como Primavera, Verão, Outono, Inverno... Primavera, Casas Vazias ou O Arco. Também o tom moderadamente fantástico que Kim ki-Duk impõe a esses filmes dá lugar em Time a uma aparência de realismo que começa na sua temática: na Coréia do Sul, cirurgias plásticas com fim de embelezamento são bem mais populares que no resto do mundo, atingindo, segundo algumas estatísticas, mais que 25% das mulheres.
Isso é relevante porque em Time os personagens mudam de cara como quem muda de camisa, ainda que a violência dessas intervenções seja constantemente lembrada pelo diretor, tanto através do texto colocado na boca do médico que faz as operações, quanto de imagens explícitas desse tipo de cirurgia.
Mudanças de rostos têm constituído um rico material para o cinema, com evidente destaque para O Segundo Rosto (Seconds), de John Frankenheimer, uma das mais completas metáforas que a arte já produziu sobre a substituição do eu. Em Time, o que existe na superfície é a substituição da face de uma bela mulher, Seh-hee, que sofre de ciúmes doentios e acha que seu namorado Ji-Woo já não agüenta conviver todos os dias com a mesma pessoa. Seh-hee acredita que variar de face é como fazer seu namorado variar de mulher – daí agradá-lo e prendê-lo indefinidamente.
No que verdadeiramente acontece repousam as sub-leituras que Kim ki-Duk costuma reservar para as ações que constrói como se fossem banais. Uma das mulheres que se interessam por Seh-hee enquanto ele espera por sua namorada desaparecida é uma garçonete chamada See-hee, cuja grafia e pronúncia (possivelmente tanto para orientais quanto para ocidentais) é quase igual à da mulher que ama – e que possibilita atitudes do personagem que dificilmente são perceptíveis aos espectadores ocidentais, como a tentativa de alterar o nome escrito sobre um pedaço de papel.
É difícil, no entanto, perceber em Time a tridimensionalidade presente em muitos dos filmes anteriores do autor. Dificilmente a subtextualiade parece ir além do gadgeterismo e até que se prove o contrário não há como conceder ao filme uma leitura que não seja linear.
Algumas ações recorrentes são bastante insólitas e não dão sinais de ir além dos absurdos que configuram. As constantes brigas passionais na cafeteria, por exemplo, que em tudo se parece com um típico saloon do velho oeste, onde o espectador já sabe que a confusão começa na hora em que as portas se abrem; a obstinação da amante em reconhecer o amado pelo formato das mãos, quando outras partes do corpo que tantas vezes dormiu junto ao seu tornariam esse reconhecimento bem mais fácil e, digamos, confiável.
Se a economia de diálogos que parecia típica em Kim ki-Duk aqui não se repete (pelo contrário, diálogos é o artigo mais abundante do seu filme), há fortes resíduos minimalistas na utilização dos espaços. São poucas as locações (como em todo o restante de sua obra) e nelas os personagens são de certa forma confinados, aqui filmados em planos médios, com pouco espaço para se mover, mesmo nas cenas de ação, que no filme são restritas a alguns atropelamentos ou à iminência de tal coisa.
É muito possível que Kim ki-Duk esteja falando sobre pessoas que mudem permanentemente para permanecerem as mesmas. É para isso que o filme traça um círculo, que recomeça sempre de onde terminou. Seria confortador ver o filme sob esse ângulo, mas é pouco. Na Coréia, o diretor lançou o trabalho reclamando que o público não se interessa por seus filmes. Da maneira que conta sua história, é possível que reverta isso. Mas Time corre o sério risco de acabar sendo a história de uma garota histérica que se envolve com um namorado idiota.
# TIME (SHI GAN)
Coréia do Sul/Japão, 2006
Direção, roteiro e edição: KIM KI-DUK
Fotografia: JONG-MOO SUNG
Música: HYUNG-WOO NOH
Elenco: HA JUNG-WOO, PARK JI-YEON,SEONG-HEYON-A
Duração: 97 minutos