Críticas


SEM AMOR

De: ANDREY ZVYAGINTSEV
Com: MARYANA SPIVAK, ALEXSEY ROZIN, MATVEY NOVIKOV
09.02.2018
Por Marcelo Janot
Reflexão intimista e poética sobre o estado das coisas na Rússia contemporânea

Os primeiros planos de SEM AMOR mostram a paisagem de uma floresta, com árvores cobertas de neve. No caminho de volta da escola, o menino Alyosha encontra, aos pés de uma dessas árvores, um pedaço de fita utilizada pela polícia para isolar locais de crimes. Depois de brincar com ela presa a um galho, ele a deixa pendurada no alto da árvore. Volta pra casa e mais tarde escuta uma discussão dos pais, que estão se divorciando: nenhum dos dois quer ficar com o menino. Até que um dia, sem dar explicações, ele some de casa.

A mãe, que pertence a uma geração fútil que não larga o celular, não expressa o menor carinho por ele e até se diz arrependida por não ter abortado; o pai está mais preocupado em não perder o emprego numa firma em que o dono, religioso, não vê com bons olhos funcionários que não têm uma família. Ambos já estão com outros relacionamentos engatilhados: ela com um empresário rico, ele com uma jovem que está grávida. Sobra pouco tempo e nenhum afeto para Alyosha, tanto que demoram a perceber que ele sumiu.

A fita de isolamento, que só será revista no último plano do filme, carrega um simbolismo forte numa narrativa que, estruturada em torno do desaparecimento de Alyosha e de sua busca por equipes voluntárias de resgate, possui ramificações que nos levam a refletir sobre o estado das coisas na Rússia contemporânea. O assumido desinteresse da polícia na maneira que lida com casos assim, as ruas vazias e inóspitas, os prédios abandonados que são esqueletos sem vida da antiga União Soviética, a superficialidade nas relações familiares, tudo isso é tratado pelo diretor e corroteirista Andrey Zvyagintsev com um olhar frio e atento aos detalhes, sem ceder às possibilidades melodramáticas da trama.

O diretor russo, responsável por um dos mais tocantes filmes sobre a relação pai-filho, a obra-prima “O Retorno” (2003), aqui está mais próximo de um cinema poético, onde a solução do mistério importa menos do que os sintomas que contribuem para ele.



(Publicado originalmente em O Globo de 08.02.2018)

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Outros comentários
    4691
  • Conrado
    15.02.2018 às 22:02

    Bela crítica, como nos velhos tempos de Telecine, sucinta e precisa.
    • 4694
    • Marcelo Janot
      16.02.2018 às 13:25

      obrigado, Conrado!