Críticas


ZAMA

De: LUCRECIA MARTEL
Com: DANIEL GIMÉNEZ CACHO, LOLA DUEÑAS, MATHEUS NACHTERGAELE
31.03.2018
Por Luiz Fernando Gallego
Linguagem afetada e elíptica distancia o público das pretensões da diretora.

Durante a ditadura brasileira e sua censura férrea, como sempre ignorante e inculta, muitos de nossos cineastas importantes, especialmente aqueles ligados ao movimento do “Cinema Novo” brasileiro, enveredaram por uma linguagem metafórica que tentava transmitir suas ideias e visões sobre o Brasil de então sem incorrer em maiores problemas com a censura - que mesmo assim aconteciam volta e meia. Com apoio da estética tropicalista inaugurada por Glauber Rocha em “Terra em Transe” (1967), surgiram “Brasil ano 2000” (1969), de Walter Lima Jr., “Azyllo Muito Louco” (1969), de Nelson Pereira dos Santos, “Os Herdeiros (1970), de Carlos Diegues, “Os Deuses e os mortos” (1970), de Ruy Guerra, sendo que o mais bem-sucedido, em termos de público e crítica, foi “Macunaíma” (1969), de Joaquim Pedro de Andrade; e o mais hermético e menos prestigiado pelo público e pela crítica - e que praticamente encerrou esta fase - foi “Pindorama” (1970), de Arnaldo Jabor. Pois “Zama”, o quarto longa-metragem de Lucrecia Martel, quase cinquenta anos depois, lembra a linguagem oblíqua e muitas vezes compreensível apenas para quem já imaginava o que aqueles cineastas estariam querendo falar. No caso de Zama, nem um exercício rocambolesco de boa vontade alcançará o que Martel pretende com sua estética tão pretensiosa quanto elíptica.

A história de um homem a serviço da bárbara colonização hispânica nas Américas, mas rejeitado pela matriz que denega seus pedidos no sentido de ir para a Europa, não desperta nenhuma identificação favorável. E nem fica menos obscuro de que lado Lucrécia se coloca em relação aos seus personagens, Don Diego de Zama e sua nêmesis, o fora-da-lei (que lei?) Vicuña Porto, interpretado caricaturalmente por Matheus Nachtergaele. Não se trata de “distanciamento” da diretora, mas de escolha estética afetada para uma narrativa que não funciona bem em nenhum nível e que nos lembra o beco-sem-saída de incomunicabilidade com o público ao qual aqueles filmes brasileiros foram empurrados pela tentativa de driblar a censura. Como opção em 2017, é lastimável que Lucrecia, idealizada e endeusada por parte da crítica, desperdice recursos de co-produção para abordar de modo tão pouco eficaz a interessante, violenta, mas pouco explorada pelos cinema, colonização da América Latina.

O resultado é ainda mais frustrante do que o que foi conseguido por Marcelo Gomes em Joaquim (2017), ainda que a tentativa de retratar o Tiradentes tenha sido mais satisfatória em Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro, no longínquo ano - e ainda sob censura - de 1972.

Não há como não lamentar as poucas qualidades de roteirização destes dois filmes recentes, Joaquim e Zama, e suas pretensões intelectualizadas - que talvez escondam limitações na capacidade de fazer ouvir suas ideias pelo público ao qual supostamente seus esforços se destinam.

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