Egresso da realização de documentários para TV, o diretor Claus Räfle estreia em filme para as salas de projeção no arriscado formato de “docudrama” - quando cenas ficcionais tentam reconstruir episódios que teriam acontecido na realidade, mescladas com tomadas de situações reais. Os fatos que Os Invisíveis traz mereciam mesmo serem lembrados, ficcionalmente ou não, e são responsáveis por grande parte do interesse que o filme desperta. Mas há também habilidade na filmagem e na edição ao justapor, a cada fragmento de relato feito por um dentre quatro sobreviventes do antissemitismo mortífero na Alemanha nazista, um novo acontecimento naquela fase de suas vidas - a partir do momento em que o nazismo acirrou ainda mais o ódio contra os judeus: os "invisíveis" do título eram judeus que, por diferentes motivos, permaneceram na Alemanha, apesar dos abissais riscos que corriam.
Os depoimentos de Cioma Schönhaus, Hanni Lévy, Ruth Arndt e Eugen Friede, colhidos já quando eram idosos, são vistos aos poucos, e cada trecho de relato antecipa uma passagem filmada com atores que os interpretam em sua juventude, sendo que as aventuras vividas por Eugen começam quando ele tinha apenas 16 anos.
Uma das narradoras é extremamente simpática, um dos homens parece ser mais emotivo, o outro, quase irônico, mas todos deixam um testemunho de coragem - voluntária ou não - e enorme vontade de viver. Por sorte, viveram muito depois da guerra terminada, o bastante para serem filmados e nos contarem pelo que passaram, eles mesmos e pessoas de seus relacionamentos. Os atores que os interpretam em sua juventude também despertam simpatia em sua vulnerabilidade e o filme consegue até mesmo provocar alguma apreensão, ainda que saibamos que os quatro personagens principais sobreviveram àquele período.
Mas, ainda que a plateia mantenha algum distanciamento em relação ao que se passa na tela, não há como não se emocionar na cena recriada em que um soldado russo, pronto para atirar em alemães, aponta a arma para dois rapazes judeus que tentam informar sua identidade. O soldado pede uma prova de que são judeus, acreditando que Hitler havia afastado todos os judeus de Berlim. Diz um letreiro, entretanto, que 7000 judeus teriam permanecido, ainda que apenas 1500 tenham chegado ao final da guerra vivos. Para isto, tiveram ajuda de outros alemães, cidadãos comuns que também arriscaram suas vidas - e muito - para abrigar os proscritos daquele período monstruoso. O maniqueísmo entra em cheque, tanto com esta informação, como com o dado de que uns vinte judeus tentaram sobreviver denunciando outros judeus para as autoridades, funcionando como espiões para a Gestapo. No final das contas, trata-se de humanos demasiadamente humanos... O encontro que o filme promove acaba sendo com nossa humanidade e nossa desumanidade, nossos medos e nosso destemor, nossas limitações e a surpresa de nos descobrirmos mais do que fomos até então.