Críticas


INFILTRADO NA KLAN

De: SPIKE LEE
Com: JOHN DAVID WASHINGTON, ADAM DRIVER, LAURA HARRIER.
22.11.2018
Por Maria Caú
Com uma narrativa empolgante, Spike Lee denuncia os retrocessos da era Trump traçando paralelos com os Estados Unidos dos anos 1970.

O diretor Spike Lee escolheu muito bem o momento para resgatar a história impressionante de Ron Stallworth, o detetive negro que, com a ajuda de um colega, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan nos anos 1970 e desmantelar alguns dos planos da organização. O filme é uma pérola narrativa, cuja linguagem em alguns pontos chega a lembrar os melhores momentos de Tarantino (um dos desafetos de Lee), revelando uma direção segura e fluida, e um uso muito empolgante das canções e da cultura pops. Os planos inclinados e alguns movimentos pouco usuais refletem a desestabilização constante provocada pelo conflito entre os diferentes universos pelos quais a narrativa transita. Além disso, a fotografia mostra como a iluminação específica para a pele negra é frequentemente negligenciada no cinema comercial. Os personagens negros arrebatam o coração do espectador por sua força, dignidade, beleza e potência e o elenco inteiro está consistentemente bem, mostrando um grande trabalho de direção de atores (destaque para o protagonista, John David Washington, e para Adam Driver, de Paterson, que interpreta seu parceiro).

Lee acerta no alvo ao traçar – algumas vezes de forma sutil, em outros pontos de modo bem mais explícito – semelhanças entre os Estados Unidos da era Trump e o clima de preconceito racial intenso dos anos 1970. Difícil não pensar no Brasil e na forma como grande parte desse discurso intolerante e racista emergiu também aqui, em especial neste último ano. Outro aspecto digno de nota é a problematização que o diretor faz com relação à função do cinema na perpetuação do preconceito, através de uma montagem paralela, técnica bastante utilizada no filme para ressaltar disparidades. De um lado, temos o discurso de um ativista negro, que explica o efeito devastador do filme O nascimento de uma nação, de Griffith, que funcionou como um barril de pólvora para os violentos ataques racistas no país após seu sucesso comercial. De outro, vemos os membros da KKK entusiasticamente assistindo ao filme cerca de 60 anos depois. E, indo mais além, acabamos por ver o hoje ali também presente, com um fantasma que Lee apresenta primeiro como menção jocosa e depois claramente como alerta, na impactante sequência que fecha o filme.

Com uma narrativa forte, entusiasmante e redonda (que tem talvez apenas uma única sequência, por demais redentora, em excesso), o cineasta consegue a um só tempo lançar luz a um evento histórico relevante para o movimento negro e falar com intensa propriedade sobre o presente, conclamando com veemência o espectador a se posicionar diante dos retrocessos atuais e a pensar sobre a herança histórica da escravidão e da segregação para os Estados Unidos e o mundo.

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