Em INFILTRADO NA KLAN, Spike Lee traduz o sentimento de muitos de nós em relação ao preconceito racial e ao discurso de ódio que ressurgiram com força total, não só na política americana, como no Brasil e mundo afora. Isso explica porque, ao terminar o filme trocando a ficção por imagens documentais dos incidentes raciais de 2017 em Charlottesville, ele chega a arrancar aplausos da plateia.
O que incomoda é a forma como Lee dá vazão ao seu discurso. Baseando-se livremente na autobiografia do policial Ron Stallworth, ele foi fiel a algumas passagens e romanceou outras. Não haveria nenhum problema nisso se as alterações contribuíssem para dar mais realismo e fluidez à narrativa ficcional, mas não é isso que acontece.
(início de spoiler)
Como os autos da investigação conduzida por Ron foram destruídos após sua conclusão, após o lançamento do filme surgiram questionamentos sobre o que seria verdadeiro ou não na trajetória do policial (recomendo a leitura deste artigo em inglês: https://goo.gl/wF2T4z).
Se ele cometeu um deslize tão primário como o de revelar seu verdadeiro nome ao fazer o primeiro contato com a Klan, da forma como é levado às telas isto soa como um recurso preguiçoso de roteiro, assim como dar o próprio endereço para que uma organização violenta e criminosa envie a carteirinha de membro para a sua casa.
São detalhes que incomodam, mas o que incomoda mais são as mudanças súbitas de comportamento no que diz respeito à relação dele com os outros policiais e com os integrantes da KKK: de novato inseguro ele passa a liderar uma equipe de policiais que de repente troca o foco de se infiltrar nos movimentos negros radicais para combater a Klan; já os racistas compram com facilidade a história da troca de vozes e promovem o policial Flip a líder; tem também a coincidência da bomba que não cabe na caixa de correio, é colocada sob o Fusca e o carro dos integrantes da Klan estaciona justo ao lado na hora da explosão; isso sem contar a relação amorosa dele com a líder estudantil, que se dá num passe de mágica e é nada convincente.
(fim de spoiler)
Ou seja, a impressão que Lee deixa, com esse roteiro preguiçoso, é a de que foi escrito às pressas para botar logo pra fora o sentimento de revolta quanto ao perigoso momento em que vivemos – ele acerta nas associações com o discurso de Trump, as referencias ao passado racista de Hollywood são pertinentes e bem contextualizadas, assim como a participação especialíssima de Harry Belafonte.
Há de se ressaltar também a qualidade técnica da direção de arte e da fotografia, com sua textura e paleta de cores que nos remetem ao final dos anos 70, o ótimo desempenho dos protagonistas, a trilha sonora e algumas boas sacadas de humor.
Mas, pelo menos para um crítico que procura enxergar não só o conteúdo mas também a forma, “Infiltrado na Klan” perde parte de sua força. O média-metragem “Rodney King”, que Spike Lee fez em 2017 e está disponível na Netflix, é mais impactante como cinema e como manifesto racial (leia minha crítica: https://criticos.com.br/?p=9937).